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MATERNIDADE: MILAGRE QUE PERDURA
Acadêmico: José Renato Nalini
Uma data reservada à celebração da maternidade merece reflexão que suplante o apelo consumista e as louvações edificantes.

Maternidade: milagre que perdura

Uma data reservada à celebração da maternidade merece reflexão que suplante o apelo consumista e as louvações edificantes. Convive-se com verdadeiro milagre e não se confere a ele a relevância devida. Ou não é milagre que de um ato físico resulte vida nova?

Quem mereceu a graça da crença tem explicação satisfatória. A maternidade é coparticipação na obra divina da criação. Nada mais próximo à infinita dimensão de um Criador, do que procriar. O misterioso fenômeno que permite ao espermatozoide fecundar um óvulo continua a ocorrer aos milhões, e não suscita maravilhamento. Mas deveria suscitar, a cada vez que se renova.

A vocação para a maternidade é uma experiência que se encara com naturalidade. As mulheres que a vivenciam são naturalmente providas de atributos que acrescentam mais intensos graus à condição humana da dignidade. Como justificar a força que adquirem seres frágeis, quando enfrentam ameaças à sua cria? Qual o estoque de resiliência com que são providas aquelas que participam do drama de filhos vulneráveis? Partilhar suas dores, angústias e sofrimentos decorrentes de uma prole suscetível às vicissitudes que acompanham os humanos em sua peregrinação é ocorrência recorrente no universo das mães.

Mães que vão até às profundezas satânicas, se necessário for, para estar ao lado do filho. Este ser que merece amor incondicional e ilimitado, o único resistente às fragilidades de caráter, à inconstância, ao cansaço que debilita os sentimentos. Amor de mãe é inquebrantável. Sem similar. Tem conotação divina. Tanto que a melhor definição de Deus, não é configurá-Lo como Pai. O afeto com que o Criador contempla a criatura é um amor que só as mães podem oferecer.

Penso em mães que fogem aos padrões da publicidade destes dias. A mãe do adolescente que tirou a vida de uma devotada mestra na Escola Estadual Thomazia Montoro. A mãe daquele que matou crianças em creche de Santa Catarina. Esse fenômeno do ataque a escolas vem se tornando mais frequente, eis que foram cinco episódios fatais entre setembro de 2022 e abril de 2023. Ao menos cinquenta e duas pessoas morreram nesses atentados. Entre elas, algumas mães. Mas todas as vítimas também tinham mães. Penso em mães que estão nas ruas, jogadas pela miséria ou pelo comprometimento da saúde mental. Penso na mãe dos encarcerados. Mães, todas elas, sobrecarregadas pelo incalculável peso de acompanharem as desventuras daqueles que trouxeram à luz.

Acredita-se que toda mãe queira o melhor para seus filhos. Nesse "melhor" presume-se que se pretenda uma vida saudável, bem sucedida e prazerosa. Ninguém educa um ser humano para se tornar homicida, nem delinquente, ou destinado ao cárcere.

Essas mães também merecem respeito. À tristeza decorrente da situação de filhos que chocaram a sociedade por comportamentos que deveriam ser insólitos, se acrescente a companhia do remorso. Impossível deixar de se recriminar? "O que foi que eu fiz? Como não percebi que ele iria praticar algo assim?".

Observar o que normalmente ocorre na história da humanidade conduz à conclusão de que os maiores esforços, a mais reta intenção, o empenho e devotamento nem sempre resultam no esperado. Há o desvio de rota, prevalece o inesperado e a perplexidade substitui a sensação de dever cumprido. Filhos são loterias! Aposta-se e faz-se o possível. Mas a vida é deles. Afinal, cremos ou não no livre-arbítrio?

Uma palavra para aquelas mães que sofrem o maior infortúnio que se possa imaginar: as que enterram seus filhos. Essa inversão da ordem natural é tão dolorosa, que sequer encontrou denominação. Quando se perde os pais, torna-se órfão. Quando se perde marido ou mulher, fica-se viúvo. Quando se perde filho, o que dizer? Só se pode afirmar que essa mãe foi contemplada com o raio da desgraça! Torna-se alguém que teve amputada talvez a melhor parte de sua existência.

Mostrar-se resiliente, prosseguir na rotina, continuar a cultivar a memória do filho pré-morto é outra característica a comprovar que a maternidade é um milagre. Carinho e respeito para todas as mães, principalmente para as que escapam ao modelo tradicional, com fotos carregadas de lirismo, cercadas de lindos rebentos. São as mães dos filhos infratores e as mães dos filhos mortos. Estes são aquelas luzes que continuarão a brilhar no coração das mães, embora já falecidos. Só se apagarão quando elas próprias vierem a partir.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 14 05 2023



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