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Acadêmico: José Renato Nalini Para Luís Gama, a Lei Rio Branco de 1871 serviu de estímulo para a emancipação total. Foi nesse ano que ele conseguiu libertar mais de uma centena de escravos.
Luís Gama, o precursor Em tempos de revisita aos impactos da escravatura no Brasil, é importante reverenciar quem se destacou na luta contra esse flagelo. E Luís Gonzaga Pinto da Gama (1830-1882) pode ser considerado o precursor do abolicionismo no Brasil, no dizer de Sud Menucci. Baiano, filho de pai branco e mãe escrava, foi vendido pelo próprio pai em 1840, quando tinha dez anos. Endividado, o pai o vendeu como escravo, para poder pagar seus credores. O mercador de almas o trouxe até Santos e dali, com outros cem infelizes, foi a pé até Campinas. Por ser baiano, ninguém quis comprá-lo. Havia uma lenda de que os baianos eram indisciplinados e indolentes. O comprador, então, resolveu ficar com ele em sua casa, na capital. Foi aprendendo todos os afazeres domésticos e a Providência fez com que em 1857, um estudante de direito, pensionista da casa, o ensinou a ler e escrever. Luís Gama recebeu a prova de ter nascido livre, deixou a casa de seu senhor, passou seis anos na milícia e retornou em 1854 à capital, agora já erudito, pois dedicou-se a intensa leitura de tudo o que lhe caísse às mãos ou que resultasse de sua insaciável curiosidade. Como o forte dos estudantes de direito nunca foi um peculiar afinco à leitura, ele tornou-se logo um perito em ciências jurídicas, pois alimentava a esperança de se tornar agente da redenção de seus iguais. Tornou-se um polemista incansável. Publicou um livro de versos satíricos, a ironizar a nobreza brasileira, a moda feminina, a cupidez e a ganância, a "aura sacra fames" e a tendência dos pardos quererem passar por brancos. Foi considerado o "Orfeu de Carapinha". O que o apaixonava mesmo era a intenção de ver sua raça livre. Para isso, não só começou a atuar concretamente, como lançava libelos em "Diabo-Coxo" e "O Cabrião", publicações que surgiram na década de 1860. O ideal da abolição nunca foi acolhido com entusiasmo pelos partidos políticos. Os republicanos paulistas eram cautelosos no tema e recorriam a uma resolução não muito enérgica do PRP - Partido Republicano Paulista: "Em respeito ao princípio da união federativa, cada província realizará a reforma de acordo com seus interesses peculiares mais ou menos lentamente, conforme a maior ou menor facilidade na substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre". Só que o abolicionismo prático funcionava melhor, por uma verdadeira dedicação apostólica de Luís Gama, que esteve à frente do movimento até sua morte, ocorrida em 1882. Por sinal, que ao seu féretro acorreram milhares de pessoas, que fizeram a questão de carregar com as mãos o esquife, a demonstrar o respeito devotado a esse líder verdadeiramente entregue à mais nobre causa da época. Os fazendeiros resistiam a concordar com a substituição do elemento servil pelos imigrantes europeus. Ainda puniam fisicamente os escravos que fugiam e eram recapturados e faziam anúncios nos jornais paulistanos prometendo recompensas para a apreensão de fugitivos. Ainda assim, estrangeiros que visitavam São Paulo, como o porto-riquense Eugenio Maria de Hostos, no livro "Mi viaje al sur", elogiava a "evolução democrática" e a sensação de liberdade da capital, onde brancos e negros, livres e escravos frequentavam os mesmos lugares, serviam-se dos mesmos bondes e, no Jardim Público, "sentam-se no mesmo banco, contemplam as mesmas belezas da natureza, aplaudem a mesma estátua, ouvem a mesma banda de música, mostram ao mesmo tempo seu gosto pelo belo, julgam com o mesmo direito o que consideram ridículo e com o mesmo hábito adquirido aprendem o mesmo respeito de uns para com os outros". Para Luís Gama, a Lei Rio Branco de 1871 serviu de estímulo para a emancipação total. Foi nesse ano que ele conseguiu, sabendo utilizar-se da linguagem labiríntica do ordenamento, libertar mais de uma centena de escravos pertencentes ao espólio de um magnata falecido. Os Tribunais passaram a constituir a principal arena de sua campanha. A cidade de São Paulo possuía 4.075 escravos em 1855, 3.424 em 1872 e apenas 493 em 1887. Deve-se tal redução ao papel corajoso e determinado de Luís Gama, cuja vida tão movimentada e plena de ocorrências singulares foi considerada por Boris Fausto, recentemente falecido, uma "biografia de novela". Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 11 05 2023 voltar |
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