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O ROMÂNTICO E A PAULICEIA
Acadêmico: José Renato Nalini
O jovem Manuel Antonio Álvares de Azevedo, considerado o único verdadeiro poeta romântico do Brasil por Amadeu Amaral, foi um ser humano que pertenceu, mental e emocionalmente, à cidade de São Paulo.

O romântico e a pauliceia

O jovem Manuel Antonio Álvares de Azevedo, considerado o único verdadeiro poeta romântico do Brasil por Amadeu Amaral, foi um ser humano que pertenceu, mental e emocionalmente, à cidade de São Paulo.

Nasceu em setembro de 1831, filho de um estudante do terceiro ano de Direito e não é verdade que tenha nascido dentro da Faculdade. Veio à luz na casa de seu avô materno, em solo paulistano. Foi para o Rio em 1833 e era o primeiro aluno em todas as disciplinas, à exceção de ginástica.

Em 1844 voltou para São Paulo e passou a estudar latim, francês e inglês. Já estava pronto para ingressar nas Arcadas mas, muito jovem, retorna ao Rio e passa três anos no Colégio Pedro II.

Sua relação com a cidade natal era ambígua. Não suportava o provincianismo e, achando-se "na maior insipidez possível", estava "ansioso de deixar esta vida tediosa da mal ladrilhada São Paulo". Sempre cultivou um espécie de complexo de morte. Tanto que Lygia Fagundes Telles o incluía no que chamava "a escola de morrer cedo".

Em 1º de março de 1850, escreve uma carta bem expressiva quanto a tal aspecto: "Há uma coisa que me pudesse dar hoje o alento que me morre. Que me morre... disse eu; não creias que minto. Todos aqui me estranham este ano o taciturno da vida e o peso da distração que me assombra. O meu viver solitário, fechado só no meu quarto, o mais das vezes lendo sem ler, escrevendo sem ver o que escrevo, cismando sem saber o que cismo...".

Ensimesmado e assimilando o melhor entre as culturas estrangeiras, de forma a chegar a uma síntese eclética. Atribui-se a ele antever, com setenta e cinco anos de antecedência, a "raça cósmica", eis que todas as raças e culturas do planeta iriam se cruzar no Novo Mundo para "produzir uma nova raça mais forte, uma civilização mais bela, uma literatura mais rica".

Sua peça "Macario" evidencia, como o mais revelador de seus escritos, a ambivalência romântica de São Paulo. O personagem principal é exatamente um estudante de direito a caminho da capital de Piratininga. Nessa viagem, encontra-se com Satã, com o Demônio, com o diabo. Quando pergunta a este se a cidade é bonita, o diabo diz que é divertida. E se há mulheres ali, Satã responde: "Mulheres, padres, soldados e estudantes. As mulheres são mulheres, os padres são soldados, os soldados são padres e os estudantes são estudantes. Para falar mais claro: as mulheres são lascivas, os padres dissolutos, os soldados ébrios, os estudantes vadios. Isto salvo honrosas exceções, por exemplo, de amanhã em diante, tu".

Diante dessa definição de São Paulo, Álvares de Azevedo - ou melhor, seu alter-ego, Macário - proclama: "Esta cidade deveria ter o teu nome".

Chamar São Paulo de Satã?

O próprio demônio não concordou com isso: "Tem o nome de um santo: é quase o mesmo. Não é o hábito que faz o monge. Demais, esta terra é devassa como uma cidade; insípida como uma vila e pobre como uma aldeia. Se não estás reduzido a dar-te ao pagode, a suicidar-se de spleen, ou a alumiar-te a rolo, não entres lá. É a monotonia do tédio. Até as calçadas!".

Álvares de Azevedo se indignava com as calçadas, os passeios à frente dos edifícios e das construções. Em várias de suas cartas existe menção ao estado lastimável dessas vias para pedestres. Algo que perdura até o momento. Parece inadministrável a política de se exigir que o proprietário se encarregue de manter o passeio em condições de receber os transeuntes, sem que caiam, tropecem ou se desviem de buracos.

Macário pergunta ao diabo o que acontece com as calçadas paulistanas e Belzebu responde: "São intransitáveis. Parecem encastoadas pedras. As calçadas do inferno são mil vezes melhores".

Não é melhor sua opinião sobre as mulheres. "Macário" merece releitura crítica. Mário de Andrade e Antônio de Alcântara Machado consideravam-na "a maior realização da literatura teatral brasileira". E lamentavam a morte prematura do autor, pois poderia, além da poesia, inaugurar uma tradição teatral vigorosa.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 04 05 2023



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