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Acadêmico: José Renato Nalini O governo não dá conta da complexidade e da gravidade da crise climática. Por isso é que o protagonismo individual deve suprir a deficiência do Estado.
Faça você mesmo A crise climática é o maior perigo que ameaça a humanidade. E há muitos brasileiros preocupados com ela. Mas pouco fazem para mitigá-la. A desculpa é sempre a mesma: sou impotente sozinho. Essa responsabilidade é do governo. Só que o governo, ainda quando bem-intencionado, não dá conta da complexidade e da gravidade do quadro. Por isso é que o protagonismo individual deve suprir a deficiência do Estado. Existem heróis anônimos que não esperam o governo, mais interessado em distribuir benesses para os apaniguados e a cuidar dessa matriz da pestilência chamada reeleição, do que cuidar do futuro e de permitir que as novas gerações também vivam neste sofrido planeta. A própria insensatez chamada São Paulo, conurbação de quase trinta milhões de pessoas, tem bons exemplos nessa área. Visitei a avenida Carvalho Pinto, na Penha, que foi arborizada por um só cidadão. Foi semeando ao longo do córrego e hoje a área é um hiato verde em região plúmbea. Exemplo a ser seguido. Mariana Zlberkan relata experiências de revitalização de praças públicas e terrenos ociosos, num cultivo que independe do poder público. É o que ela chama de "Jardinagem de guerrilha", que restaura áreas degradadas da maior cidade do hemisfério. Assim é que, em plena avenida Brigadeiro Faria Lima, existe bananeira, abóbora, feijão-guandu e batata-doce e, na Parada Inglesa, pitanga, batata-doce, boldo, hortelã, cúrcuma, taioba-roxa, ora-pro-nobis, mitsubá (salsinha japonesa), manjericão e outras hortaliças. São moradores do entorno que plantaram e cuidam desses espaços relegados. A grande maioria de praças públicas não resiste à falta de educação generalizada, que não só despeja seu lixo por sobre os canteiros, mas por pura ignorância - ou será maldade mesmo? - quebra galhos, arranca folhagens e se especializa em fabricar desertos imundos. A flora da Mata Atlântica é uma das mais ricas e exuberantes do planeta. O que sobrou dela merece cuidados especiais dos amigos do verde, aqueles que se preocupam com o amanhã de crianças para as quais faltará oxigênio. A iniciativa é de almas sensíveis como a educadora ambiental Mariana Marchesi e a artista plástica Regina Yassoe Fukuhara. Esta começou a plantar praticamente escondida na Parada Inglesa, fazendo tudo para não chamar a atenção, pois fazer o bem, muitas vezes, numa era de insensibilidade, pode parecer exótico ou excêntrico. A dificuldade é evitar que os espaços públicos sejam transformados em grandes lixões ou em banheiro. Outro bom exemplo é o do "jardineiro de guerrilha", o educador Rodrigo Burckauser Robert, para quem essa expressão ainda é nova no Brasil, mas já existe há tempos na Europa. Sua vocação é chegar a um lugar inóspito, tirar o lixo e começar a plantar. E verificar que, em seguida, outras pessoas acorrem para cuidar de sua sobrevivência. Foi o que ele fez num terreno atrás de uma escola estadual no Jaçanã. Hoje o lugar está recuperado. No Jardim Julieta, divisa com Guarulhos, o professor Beto Corunha fez uma horta comunitária, parte do mestrado em ciências sociais. Aos domingos, os moradores colhem repolho, couve, coentro, banana, boldo, pimenta, taioba, limão e cana-de-açúcar. Por que não disseminar essa cruzada, numa cidade como São Paulo, onde falta verde, que tem carência de mais parques, onde inúmeras ruas são desprovidas de árvores? Enquanto isso, espécies que produzem sementes em abundância, como o ipê-amarelo, os coqueiros, as bauínias, as perdem porque não há um sistema de recolha e de destinação para viveiros de mudas? Se a população não cuidar do ambiente, este tenderá a se converter em coleção de espaços mortos, despidos de qualquer sinal da natureza generosa, que devolve em cêntuplo aquilo que para ela se oferecer. Há muitos outros heróis em São Paulo e em outros municípios, que praticamente sozinhos carregam a bandeira mais importante deste século 21, ano em que a Terra emite sinais expressivos de seu exaurimento e alerta o bicho-homem que já não há mais tempo para refrear o acelerado rumo ao caos. Essa gente é que merece atenção da mídia, não os criminosos, os corruptos, os fraudadores, que estão nas primeiras páginas e com fotos que enaltecem a delinquência e o desamor para com o próximo. Se você tem consciência dos riscos a que a insensatez submeteu as futuras gerações, cuide de um espaço e o converta em oásis. Vale a pena. E faça você mesmo. Não espere pelo governo. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 02 05 2023 voltar |
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