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Acadêmico: José Renato Nalini As ordens religiosas supriam a deficiência do Poder Público. As freiras do Convento da Luz, onde São Frei Antônio de Sant'Ana Galvão foi arquiteto de taipa e de almas viveu parte de sua história, atendiam a quem lhes batesse à porta.
Assim já foi a saúde em SP São Paulo é exemplo para o Brasil e para o mundo em termos de vacinação. Além de ter disponibilizado para todos os brasileiros a imunização para a Covid19, fabricada pelo Butantã, hoje oferece vacinas para todas as pessoas que quiserem evitar doenças controláveis. Só não tem vacina para quem acha que ela tem chip chinês para que os bilhões de lá dominem nossos 213 milhões. Não sei com que finalidade ou intenção! Mas no século XIX a situação da capital paulistana era outra. Havia quatro principais ameaças à higiene, além da várzea estagnada do Carmo. Eram elas: 1) excesso de charlatães em relação a médicos formados; 2) epidemia de bexigas, pois a vacina era considerada mera curiosidade; poucos acreditavam nela; 3) prevalência do sarampo e 4) excesso de formigas. Visitantes estrangeiros como Spix e Martius encontraram aqui, mais doenças inflamatórias, hepáticas, hidrópicas e menos doenças gástricas, papeiras e enfermidades cutâneas do que em qualquer outra parte do Brasil. Saint-Hilaire ficou alarmado com a incidência de doenças venéreas. A sífilis era algo comum na população do planalto. O parto era realizado por parteiras. Estas sentavam sua paciente num recipiente que lembrava uma bacia e diversas pessoas a mantinham segura, longe do solo, até que a criança nascesse. De quando em quando sacudiam a parturiente para facilitar o parto. Uma exceção era o hospital militar, que possuía alguns médicos capacitados e o melhor estoque de remédios. Em geral, eram os farmacêuticos que serviam de médico e de suas estantes saíam medicamentos e outros produtos. Nas farmácias podia-se comprar ferraduras e os ferreiros também vendiam vomitórios. Como se prestava assistência aos doentes? O único hospital era o militar. Mas ele só contava com dez leitos para um número de enfermos muito maior. E um médico pago pela Câmara Municipal para cuidar dos pobres. Já se enfrentava a resistência à vacina. O Capitão-General em 1806 teve de ameaçar de prisão aqueles que recusassem oferecer escravos e filhos para serem inoculados. Os que eram atacados de varíola aguardavam, resignadamente, o seu fim. Recusavam alimentação ou tratamento, na certeza de que ela era incurável e, portanto, invencível. As ordens religiosas supriam a deficiência do Poder Público. As freiras do Convento da Luz, onde São Frei Antônio de Sant'Ana Galvão foi arquiteto de taipa e de almas viveu parte de sua história, atendiam a quem lhes batesse à porta. Os franciscanos, diariamente distribuíam comida aos pobres e continuam a fazê-lo ainda hoje. E, principalmente, a Santa Casa de Misericórdia, cuja enfermaria foi a primeira da cidade, instalada em 1715. Mantinha em tratamento muitos escravos enfraquecidos pela tormentosa e arriscada travessia do Atlântico e fragilizados pela brusca mudança do norte tropical para os ares mais frios de São Paulo. Mas também continuava a cuidar daqueles que, maltratados pelo regime da escravidão, abreviavam sua peregrinação pela Terra. Alguns dos senhores - proprietários dos então semoventes, seres humanos obrigados ao trabalho gratuito - ou retardavam o pagamento da manutenção do escravo ou então, o que era pior, se a doença ameaçasse levar à letalidade, concediam-lhe a liberdade. Com isso, a Santa Casa era sobrecarregada com as despesas de tratamento e funeral. Na região da Luz, a Santa Casa mantinha um lazareto. Seus dez ou vinte internados eram mal assistidos, mal vestidos e alimentavam-se com feijão e carne, dieta inadequada para a sua doença. Por isso, os que podiam não se conformavam com a falta de liberdade e se dispunham a fugir, para mendigar nas estradas. O crescimento da população fez surgir outros problemas. O cólera-morbo grassava nas regiões onde falhava a higiene. O matadouro, na estrada de Santo Amaro, empestava os ares com insuportável mau cheiro. Suas imediações eram cobertas de ossos, peles e outros detritos. Por ali passava um tributário do Anhangabaú, que ia compor o pequeno reservatório que abastecia os três chafarizes da cidade. O hábito anti-higiênico de se enterrar cadáveres dentro das Igrejas não contribuía para a sanidade da população, essencialmente religiosa. Essa prática se resumia em retirar algumas tábuas do soalho, logo enterrar o defunto e colocar as tábuas de volta, sobre as quais as velhinhas se ajoelhavam e não se preocupavam com os efeitos da putrefação que respiravam. Desde então, a população não cuidava bem de seu lixo, embora houvesse sete depósitos na cidade e multa para quem não se servisse deles. A cidade funcionava ao acaso. Daí a dificuldade de se administrar uma insensata conurbação de vinte e dois milhões de almas. Se a cidadania não ajudar, não há gestão municipal capaz de ordenar esta loucura. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão, 24 de abril de 2023. voltar |
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