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Acadêmico: José Renato Nalini Poucos os que sabem se aproveitar da oportunidade, uma dádiva gratuita a da existência, para fazer valer sua passagem por este sofrido planeta.
Não fossem os abnegados... A marcha da humanidade parece marcada pela insensatez. Caminha-se inconscientemente para um futuro certo, mas de data ignorada. A morte é o ponto final para uma trajetória frágil e curta. Poucos os que sabem se aproveitar da oportunidade, uma dádiva gratuita a da existência, para fazer valer sua passagem por este sofrido planeta. Não se pensa que a Terra existiu há milhões de anos. Não estávamos aqui. Ninguém sentiu nossa falta. Partiremos. Também não se sentirá nossa falta. Talvez a sintam uns poucos, mas durante muito escasso tempo. Em seguida, novas vidas, novas experiências, novos amores, novos esquecimentos. Admirável, por isso, o verdadeiro apostolado de pouquíssimas pessoas que se destacam por devotamento a uma causa nobre. É incrível que o maior perigo que ronda a humanidade não desperte uma cruzada de defensores da natureza. Estes são poucos e, em grande parte, ridicularizados. Folclorizados, chamados de chiitas ecológicos, defensores do "mico-leão", inimigos do "progresso" (para muitos, talvez a maioria, "progresso" significa fabricar desertos...). Penso em Thomas Lovejoy (1941-2021), que criou o Acampamento 41, talvez para fixar a década em que veio ao mundo. É, na verdade, um acampamento localizado na Amazônia, para abrigar pesquisadores durante longas temporadas. Ali se estuda o efeito dessa delinquência organizada chamada desmatamento. Um dos projetos mira a limitação do potencial da Amazônia em absorver gás carbônico - CO2 - que é um testemunho evidente dos maus tratos infligidos à última grande cobertura vegetal tropical do planeta. No Acampamento 41 nasceu o projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais, desenvolvido há 40 anos pelo Inpa - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Em conjunto com o celebrado Instituto Smithsonian, era chamado em 1979 de Projeto Tamanho Mínimo Crítico de Ecossistemas. A proposta é descobrir como a fragmentação da Amazônia, convertida em mosaico de áreas, alvo de grilagem, invasão por parte de facções criminosas e avanço do agronegócio, impacta o sistema. Já se debateu o que seria da Região Amazônica se ela fosse inteiramente fragmentada. É óbvio que isso a depauperaria, talvez de forma irreversível. A resposta científica, baseada no trabalho dos pesquisadores, é que se mostra essencial a preservação de grandes áreas contínuas. Algo que se discutiu, em âmbito mais reduzido, em relação à reserva florestal aqui no Estado de São Paulo. Discutia-se que a preservação de apenas um núcleo vegetal nativo faria com que nosso Estado espelhasse apenas "cogumelos" de cobertura verde, inviabilizando o curso natural de espécies da fauna silvestre que precisam de espaço para deslocamento. A solução dos "corredores ecológicos" é racional, mas não obteve adesão de parte de todos os proprietários. Infelizmente, São Paulo se converteu num mapa exótico: grandes canaviais, separados por estabelecimentos prisionais. O que me fez escrever, à época, o artigo "Cana & Cana", que repercutiu entre poucos ambientalistas. O Acampamento 41 também estuda a falta de fósforo nas árvores da Amazônia, que altera a absorção de gás carbônico na floresta. A Amazônia já foi um sumidouro de carbono. Mas o excesso de CO2 reduz a absorção. E isso por falta de fósforo nas árvores. Esse estudo é legado de Thomas Lovejoy, que infelizmente partiu, não sem antes tentar chamar a atenção de celebridades para se inteirar do drama da floresta. Ele trouxe ao Acampamento 41 Al Gore e Tom Cruise, entre outros. Já tivemos outros heróis do clima, como Paulo Nogueira Neto, que fez o Brasil estar presente na criação do conceito de sustentabilidade, Aziz Ab'Saber, que mostrou ser a Serra do Japi um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica intocada no Estado de São Paulo, Augusto Ruschi, Chico Mendes, Roberto Burle Marx, Jayme Vita Roso, que mantém uma reserva particular intocável em área vulnerabilíssima da insensata megalópole chamada São Paulo e tantos outros. Por que não surgem exemplares dessa espécie para a qual não há refil? Há muitas pessoas à procura de uma causa nobre e que não a encontram. Enquanto isso, passam uma vida insípida e inodora, insossa e vazia. Poderiam se dedicar a essa missão salvífica da humanidade. Pois não é a Terra que corre o risco de se extinguir. Ela continuará a existir, este frágil planeta de uma galáxia de reduzida importância para o infinito do Cosmos. Mas, a continuar neste ritmo de destruição, a Terra vai prescindir da espécie humana para continuar a vagar pelo espaço. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 10 04 2023 voltar |
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