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A VOLTA DO EXAME ORAL
Acadêmico: José Renato Nalini
O velho e bom exame oral vai impedir que o ChatGPT assuma o predomínio nesse mister de qualificar quem de fato merece.

A volta do exame oral

Na década de sessenta do século passado, quando prestei vestibular para ingresso na Faculdade de Direito da Universidade Católica de Campinas - ainda não era Pontifícia - havia exames orais. Português, Inglês, Filosofia, História e Psicologia eram as disciplinas questionadas por uma banca. Avaliação pública. Todos podiam assistir.

Com a explosão do número de Faculdades de Direito, os vestibulares foram sofrendo mutações. O crescimento do número de candidatos impôs provas de múltipla escolha. A correção passou a ser por leitura ótica. Finalmente, em muitas das escolas - recordemos que o Brasil tem mais Faculdades de Direito do que a soma de todas as demais, espalhadas pelo restante do planeta - já nem existe o vestibular. Basta se matricular.

Ocorre que o avanço da ciência e da tecnologia é implacável e obriga o homem a se adaptar. O ChatGPT, que embora há pouco criado já evolui assustadoramente, conseguiu aprovação no exame da OAB, acertando 48 questões em um total de 80. O experimento foi levado a efeito pelo presidente da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs - AB2L, Daniel Marques. Ele acredita que o ChatGPT consiga também passar pela segunda fase, elaborando resposta para quatro questões discursivas.

Nos Estados Unidos, outros testes têm sido realizados e a máquina também foi bem numa prova para MBA. Obteve grau B, logo em seguida ao A, que equivale à nota 10. Na Colômbia, um juiz se serviu da ferramenta para redigir uma sentença em caso sobre o direito à saúde de criança autista. Na Inglaterra, um escritório anunciou que se servirá da máquina para redigir contratos. Não é que o ChatGPT vá substituir todos os advogados. Só substituirá aqueles que não souberem trabalhar com ele.

Isso impõe não apenas uma reformulação do ensino jurídico, hoje ainda fortemente baseado no adestramento do acadêmico para a memorização de todo um conhecimento enciclopédico - legislação, doutrina e jurisprudência. A coleta e armazenamento de dados se faz com perfeição infinitamente superior à dos humanos, mediante uso de instrumentos que a tecnologia colocou ao alcance de todos.

Para Daniel Marques, em reportagem de Bruno Romani, a forma de avaliação vai mudar. Há Universidades estrangeiras em que o ChatGPT é utilizado para avaliar o aluno, a partir das perguntas que ele faz ao sistema. A necessidade, salienta Marques, é de mais filósofos do Direito, para pensar e resolver as questões. O ChatGPT será um eficiente auxiliar para aqueles que conseguirem se servir dele.

Em recente texto, Maurício Benvenutti, sócio da Plataforma para startups StartSe, observou que o conjunto de habilidades a ser desenvolvido pelas novas gerações precisará ser muito diferente daquelas com as quais contamos. A produção automática de textos é uma realidade bem acessível. Basta um clique e o instrumento os produzirá, de acordo com nosso desejo ou necessidade.

Não é correto colocar-se na defensiva e banir o uso de novidades como o ChatGPT. O melhor é se valer da oportunidade e alargar a fronteira das novas possibilidades. Como qualquer outra tecnologia, seu uso será inevitável. O mergulho na automação e na Inteligência Artificial é irreversível. Para o bem e para o mal.

Tolice proibir o ChatGPT, como algumas instituições já estão fazendo. Com a abordagem certa, diz Benvenutti, "ele pode ser um instrumento de ensino extremamente eficaz. A professora do ensino médio americano Cherie Shields, por exemplo, pediu que seus alunos criassem rascunhos com o ChatGPT para comparar dois contos do século XIX. Após fazerem isso, eles guardaram os laptops e escreveram uma redação a mão. O processo não só aprofundou a compreensão dos alunos sobre as histórias, mas também os ensinou a interagir com a inteligência artificial para obter respostas úteis e aplicáveis ao que precisavam".

Está-se diante de uma nova tecnologia que mostra o quão obsoletas são nossas práticas. Não adianta insistir nelas. Ou então, é preciso voltar a algumas que já foram abolidas. Por exemplo: os exames orais, realizados por avaliadores humanos e não por máquinas. Boa perspectiva para os professores, que já se consideravam descartados, substituídos com vantagem por máquinas que se utilizam de linguagem contemporânea, fazendo com que o som de sua voz seja acompanhado por imagens belíssimas, coloridas e musicais.

O velho e bom exame oral, candidato por candidato, vai impedir que o ChatGPT assuma o predomínio nesse mister de qualificar quem de fato merece ingressar numa carreira, passar de ano ou começar um novo curso. O tempo dirá como é que a humanidade trabalhará com mais esse desafio.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 08 04 2023



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