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Acadêmico: José Renato Nalini O chamado para as verdadeiras vocações está rouco de tanto chamar os juízes de que a democracia do Brasil carece.
A voz está rouca Vocação é verbete derivado do verbo latino "vocare": chamar. Por isso, vocação é chamada. O vocacionado ouviu esse apelo e respondeu, abraçando uma profissão, uma carreira, um sacerdócio. Na república em que a proliferação de Faculdades de Direito é um fenômeno econômico, sociológico, psicológico e dramático, o mercado não é capaz de absorver os milhares de bacharéis a cada semestre expelidos pelas escolas de graduação. Há um excesso de advogados e a chegada do chatGPT assusta aqueles que não tiveram adequada formação fundamental e média. O iletramento é uma regra e chega, lamentavelmente, até à pós-graduação. A advocacia tradicional é uma das profissões em vias de extinção, o que o Fórum Econômico Mundial previu há muitos anos. Como subsistir na defesa judicial de clientes se tornou algo a cada dia mais difícil, aumenta o número dos que se destinam a concursos públicos para as carreiras jurídicas. Essa tendência se transformou em indústria. Primeiro, os concursos são tão previsíveis, que o encargo de preparar candidatos foi assumido pelos rendosos "cursinhos". Eles é que, na verdade, recrutam os quadros para a Magistratura, Ministério Público, Defensorias, Procuradorias, Polícia e delegações extrajudiciais. A sofisticação do certame atraiu a atenção dos coaches. Há quem se dedique a uma preparação individual, oferecida como atendimento gourmet ou boutique a candidatos que possam remunerar o treinador. A indústria é rendosa para quem organiza as viagens dos candidatos, no estilo "conheça o Brasil prestando concurso", os hotéis, os transportes, as livrarias, as entidades encarregadas de elaborar as provas, enfim, uma rede empresarial bem lucrativa. Esquece-se o fator mais relevante: a vocação. Para Ernest Renan, "a verdadeira marca de uma vocação é a impossibilidade de fugir a ela, isto é, de obter êxito em qualquer outra atividade senão aquela para a qual se nasceu. O homem que possui uma vocação tudo sacrifica, mesmo contra a vontade, à tarefa que o absorve. Circunstâncias exteriores poderiam, como acontece frequentemente, desviar minha vida e impedir-me de seguir a rota natural, mas a absoluta impossibilidade em que eu me encontraria de vencer em tarefas que não eram o meu destino, seria como o protesto do dever contrariado, e a predestinação triunfaria à sua maneira, mostrando-me de todo impotente fora da profissão para que me escolhera". Quem é que hoje consegue admitir que se submeterá a um concurso público de provas e títulos porque é vocacionado para aquela carreira? Busca-se emprego, estabilidade, a maior remuneração que o governo pode atribuir a uma função. E é por isso que se encontra tanta gente desanimada nos quadros do Judiciário. Principalmente no Judiciário, cujo papel é angustiante, porque precisa não só julgar, como assinar o seu julgamento. Assumi-lo como seu. E arrostar os riscos daí decorrentes. A magistratura, como vocação, é sublime. É aquela visão antiga e hoje infelizmente superada, de quem a encarava como verdadeiro sacerdócio. Como emprego, ela é terrível. O vocacionado não se angustia com o excesso de trabalho, não se irrita com a pressão do advogado, que apenas representa o infeliz que precisa da Justiça. Não reclama pelos baixos vencimentos. Para estes, a resposta é clara: exercer a Magistratura não é compulsório. Quem se considera injustiçado, por ganhar menos do que merece, deve se exonerar e deixar sua vaga para alguém vocacionado. O drama é que os concursos de ingresso à Magistratura e às demais carreiras jurídicas não têm qualquer condição de aferir vocação. São provas de avaliação da capacidade mnemônica. Nenhuma habilidade ou competência socioemocional é objeto de preocupação das bancas ad-hoc, quase todas sem qualquer experiência em RH, em psicologia do trabalho ou qualquer outro talento para detectar vocações. Já passou da hora de se realizar um concurso compatível com a relevância das funções a serem exercidas e de acordo com as necessidades de uma sociedade famélica da mais trivial concretização do justo. O chamado para as verdadeiras vocações está rouco de tanto chamar os juízes de que a democracia do Brasil carece. Voz rouca, encontra ouvidos moucos de quem teria condições de mudar esse melancólico quadro. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 06 04 2023 voltar |
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