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DÁ PARA DESAFOGAR AINDA MAIS O JUDICIÁRIO
Acadêmico: José Renato Nalini
É muito fácil ingressar na Justiça. O que é difícil, tanta vez, é sair dela. Ampliou-se o acesso, afunilou-se a saída.

Dá para desafogar ainda mais o Judiciário

A transferência de atribuições cometidas ao Judiciário para as delegações estatais extrajudiciais - os antigos cartórios - é um movimento exitoso e que deve prosseguir. Já se pratica extrajudicialmente a separação, o divórcio e a usucapião. A experiência demonstrou-se hábil a provocar continuidade e aceleração nessa marcha.

Qual a vantagem dessa migração?

Primeiro, o aspecto econômico. O custo do sistema Justiça é cada vez maior. Pois, a despeito da imersão na eletrônica, na informática, na telemática e em outras tecnologias derivadas da Quarta Revolução Industrial, constata-se um crescimento vegetativo vertiginoso. Não há miséria na criação de Tribunais, cargos na Magistratura e funções auxiliares.

Enquanto isso, o setor extrajudicial não custa ao Estado. Ao contrário, o Estado leva cerca de 42 dos emolumentos pagos ao registrador e ao tabelião. Em compensação, os serviços extrajudiciais estão cada vez mais eficientes, mais céleres, mais descomplicados e mais baratos.

Segundo, as vantagens concernentes à abreviação do processo. A Academia precisa contribuir para oferecer alternativas ao Parlamento, nessa caminhada que premia a eficiência e a desburocratização. Uma tese recentemente aprovada na Universidade do Vale do Itajaí-SC, cujo programa oferece dupla pós-graduação - Univale e Delaware-EUA - oferece interessante ideia. O título é auto-explicativo: "Aperfeiçoamento do modelo constitucional do acesso à Justiça: Discovery phase como modelo de aplicação e foi elaborada e defendida por Naurican Ludovico Lacerda, hoje bi-doutor e titular de uma delegação extrajudicial em Goiânia.

Foi orientado pelo Prof. Osvaldo Agripino de Castro Júnior e teve como coorientador o Prof. Brett Bendistis, de Delaware. Ele analisa os custos da Justiça, tanto os de seu funcionamento como os custos sociais. Ou seja: quem mantém o Poder Judiciário não são apenas os seus usuários, mas toda a população. Inclusive aquela que não conhece o sistema, ou apenas tem contato com a sua face cruel: o direito penal.

As custas não cobrem os custos. É o povo que paga pelos órgãos. As custas cobradas são autofágicas. Sem falar que há uma prodigalidade na concessão de justiça gratuita, até para empresas.

A gratuidade estimula o uso da Justiça e desestimula a adoção da composição consensual das controvérsias. É muito fácil ingressar na Justiça. O que é difícil, tanta vez, é sair dela. Ampliou-se o acesso, afunilou-se a saída.

Propõe o ora doutor Naurican a adoção de uma tática norteamericana, incluindo-a no direito processual brasileiro: a produção de prova entregue às serventias extrajudiciais. Na verdade, a produção de prova é algo administrativo. Não exige uma decisão, algo que é atribuição do juiz. Com essa providência, a tramitação processual ganharia celeridade e perderia ranço burocrático.

É óbvio que a implementação de uma providência do direito anglo-saxão no sistema romano-germânico não é coisa singela. Demanda, primeiramente, a mudança de cultura. A resistência decorre do anacronismo da formação jurídica. Apesar da proliferação de faculdades de direito, o ensino jurídico persevera no modelo coimbrão. Disciplinas compartimentadas e que não dialogam.

Replicando o que ocorre na educação fundamental e média, a Universidade - notadamente as escolas de direito - prioriza a capacidade mnemônica. Adestra o educando a decorar informações e a repeti-las quando inquirido. Se isso já não funcionava há mais de um século, agravou-se com a imersão no mundo mágico das tecnologias contemporâneas. O mundo tem acesso aos dados com facilidade nunca antes registrada. Basta um clique num celular e se descortina um universo informacional infinito.

Tal sistemática de ensino-aprendizado torna a mentalidade jurídica muito rígida, insuscetível de flexibilização. Daí, qualquer inovação sempre encontra óbices, porque toda mudança traumatiza.

Naurican Ludovico Lacerda tem condições de prosseguir num pós-doutorado, acrescentando sugestões em relação à possibilidade de se entregar às delegações extrajudiciais o volumoso acervo das execuções fiscais. Como explicar que em pleno 2023, não se consiga fazer entender a quem de direito, que "cobrar dívidas do governo", quando ainda não há recusa por parte do devedor, não é função do Poder Judiciário?

São posturas como a do novel doutor que podem aliviar o sistema Justiça de sua tonelagem de processos, muitos dos quais não envolvem reais litígios.


Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 04 04 2023



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