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Acadêmico: José Renato Nalini Quem se impressiona hoje com a intensa judicialização da vida brasileira, não imagina como funcionava o sistema Justiça no período colonial.
Ética dos juízes da Colônia Quem se impressiona hoje com a intensa judicialização da vida brasileira, não imagina como funcionava o sistema Justiça no período colonial. Extrai-se da obra de João Armitage, inglês que escreveu uma História do Brasil de 1808 a 1831, que "O Poder Judiciário estava confiado às respectivas Relações, compostas de Desembargadores, que sentenciavam por apelação, e aos Ouvidores ou Juízes Itinerantes, que deviam anualmente fazer a correição das Comarcas que cada um tinha a seu cargo, a fim de julgarem as causas crimes". Também existiam os "Juízes de Fora", escolhidos entre os bacharéis formados em Coimbra. Todos os servidores da Justiça eram nomeados pela Corte lusa. Em distritos menos populosos e considerados inferiores, existiam os "Juízes Ordinários", com idênticas atribuições dos Juízes de Fora e eram eleitos por indivíduos chamados "Bons do Povo", já conhecidos por haverem exercido cargos nas municipalidades. Algo correspondente ao conceito de "homens de bem". Das decisões de tais magistrados se podia apelar para a Relação do Rio de Janeiro e desta cabia recurso para o Desembargo do Paço, de Lisboa. Mas, acrescenta João Armitage: "se o apelante não tivesse bons patronos na Corte, ou não pudesse oferecer mais valioso suborno do que o seu antagonista, raras vezes lhe aproveitavam estas apelações em última instância". Essa dúvida em relação à lisura da Magistratura é natural. Quem perde, sempre encontra motivos para desconfiar do julgador. O Poder Judiciário sempre foi pródigo em normatividade. Os aspectos técnicos do ato de julgar são objeto de estudos, aprimoramento, elaboração de dissertações, teses e ensaios. Não se devota qualquer importância àquilo que poderia mitigar ou até mesmo debelar as suspeitas sobre o comportamento moral dos integrantes do Poder Judiciário. O Brasil observou durante séculos a legislação organizada nos reinados dos dois Felipes, chamada de Ordenações do Reino, acrescida de decretos editados depois de haver subido ao trono a Casa de Bragança. Eram nove volumes e as sentenças judiciárias não restavam sob a mira exclusiva das autoridades judiciárias, pois bastava uma ordem do Capitão General e isso seria suficiente para suspender ou reduzir à nulidade as decisões legais. Esse o cenário em que se desenvolvia a estrutura judiciária na Colônia, algo que só se alterou significativamente após à Independência, quando o Imperador Pedro I quis também libertar o Brasil do jugo da educação jurídica lusa e criou as duas primeiras Faculdades de Direito. Em 1827 surgiram a São Francisco em São Paulo e a escola de Olinda, posteriormente transferida para o Recife. Até então, era visível o ciúme do Governo Português, receoso de que o engrandecimento de qualquer entidade colonial formasse oposição ao exercício da dominação. Por isso é que das cerca de três milhões e seiscentas mil almas, das quais dois quintos eram escravos e a maior parte da gente livre constituísse uma raça mista de origem africana, índia e europeia, só aos brancos se podiam confiar os poderes políticos. A maioria formava o que os autores consideravam "um povo indolente e apático". Para isso contribuiu o desapreço à educação: ela "havia feito mui pouco progresso: os conhecimentos dos eclesiásticos eram geralmente limitados a um mau latim; e o indivíduo feliz que reunia o conhecimento deste e do francês, era olhado como um gênio tão transcendente, que de grandes distâncias vinham pessoas consultá-lo". Situação tal, deveria inspirar os cultores da ciência jurídica a um processo intensivo de recuperação de valores. Não faltou apenas conteúdo na formação educacional dos brasileiros. Faltou a substância consistente em brio, caráter, sentimento forte sobre probidade, correção, ajuste a parâmetros transcendentais de postura reta, aquilo tudo que veio a se tornar a chamada ciência do comportamento moral do homem em sociedade: a ética. Lamentavelmente, continuam os responsáveis pelo processo continuado de aperfeiçoamento das carreiras jurídicas a insistir na operacionalidade, no funcionamento da máquina, no exame detalhado de toda a legislação, doutrina e jurisprudência. Não se concede à ética o lugar que deveria merecer no preparo dos quadros que virão a suprir as recorrentes defecções no Poder Judiciário, no Ministério Público, na Defensoria, nas Procuradorias, nas delegações extrajudiciais e mesmo na Advocacia. A explosão de faculdades de direito, numa República tão singular que as tem em número superior ao da soma de todas as outras, espalhadas pelo planeta, só registra e só se preocupa com a outorga de grau de bacharel a número crescente de formados que, em sua maioria, sequer conseguem superar o Exame de Ordem. Pode-se dizer que em termos de desenvolvimento ético, os profissionais da área jurídica tupiniquim não progrediram mais do que os juízes do tempo da colônia. Não por falta de material disponível. O CNJ, em 2008, editou o Código de Ética da Magistratura Nacional e "exortou" os juízes brasileiros a observarem suas regras. Consta do ato de sua edição, que todos os magistrados ingressantes deveriam receber um exemplar do Código de Ética. Não tenho notícia sobre a observância dessa determinação. Enquanto isso, as críticas ao Judiciário, a envolverem aspectos éticos e não técnicos, prosseguem num ritmo que deveria ser preocupante para os que têm voz dirigente na Instituição. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 03 04 2023 voltar |
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