Compartilhe
Tamanho da fonte


ELISABETH TENREIRO: GLÓRIA TARDIA
Acadêmico: José Renato Nalini
A profissão do professor precisa ter o resgate da dignidade, hoje perdida. É missão complexa, que tem de envolver a sociedade inteira. Mas que pode começar dentro da escola

Elisabeth Tenreiro: glória tardia


O assassinato da professora Elisabeth Tenreiro, na Escola Estadual Thomazia Montoro, na segunda-feira, 27 de março, foi mais um sinal da enfermidade que acometeu a educação brasileira. Decreto de luto oficial por três dias, manifestações edificantes nas redes, declarações emotivas em toda a mídia eram esperados. Assim como um brevíssimo culto à sua memória. Logo se proporá seu nome para eternizar mais uma escola pública estadual.

Tudo muito legítimo, porém insuficiente para a profunda reflexão que deveria ocupar a mente das pessoas sérias. O que aconteceu com a escola pública brasileira?

Há meio século sabia-se que o nível das escolas estaduais era superior ao das particulares. Estas eram conhecidas pela flexibilidade na disciplina e nas avaliações. Assim que os pais viam o risco de uma repetência, no início do segundo semestre cuidavam de transferir o filho para uma escola privada. “Quem paga passa”, era o que se dizia.

Os professores das escolas estaduais eram pessoas gradas. Reconhecidas, respeitadas e prestigiadas. Quem passasse pela experiência de um “Instituto de Educação Experimental” era aprovado em vários vestibulares.

Verdade que as vagas eram disputadas. Era preciso demonstrar empenho e muita vontade para ser aluno da rede estadual.

O que aconteceu, então?

Multiplicaram-se as escolas. Hoje, fala-se em cerca de 5.400. Chegam a atender a mais de 4 milhões de alunos. Investe-se na quantidade, em detrimento da qualidade.

Uma secretaria com cerca de 400 mil almas em sua folha de pagamento, incluindo os inativos, teve de intensificar a criação de burocráticas estruturas administrativas. Embora São Paulo destine 30 de seu orçamento para a educação, suplantando a União, que reserva 25, é de ser feita rigorosa análise na destinação dessa polpuda verba.

Quanto custa a atividade-meio e quanto se destina à atividade-fim?

Se houver coragem para o direcionamento adequado desses recursos, talvez o clima dentro das escolas receba um upgrade em termos de satisfação pessoal e de expectativas quanto ao futuro desta nação que é tão carente de educação de qualidade.

Que as coisas não caminham bem é fácil de ver. Uma escola deveria ser o centro de atividades cidadãs de seu entorno. Aberta diuturnamente para um processo de educação permanente e continuada. Servir para encontros da comunidade. Manter bibliotecas acessíveis à vizinhança.

Não. Elas são fechadas. Em seguida, vandalizadas, pichadas, merecedoras do desamor daqueles que deveriam protegê-las. Projetos como o Escola da Família sempre foram alvo de resistência interna. Adoção Afetiva durou enquanto o secretário que a idealizou permaneceu no cargo.

Os professores temem os alunos e temem suas famílias. Recorrem a crescente proteção médica, com síndromes as mais diversas, entre as quais a do pânico, estresse e depressão. Quem tem condições se refugia num gabinete parlamentar ou num cartório eleitoral. Quem tem a estatística dos professores efetivamente em sala de aula?

Economizar na burocracia, na contratação de assessorias oferecidas por celebridades que nunca ministraram uma aula na periferia, mas que impressionam os detentores de poder, ser frugal em publicidade – a melhor propaganda é o bom funcionamento da escola –, e talvez sobrasse dinheiro para remunerar melhor o professor. Sua profissão precisa ter o resgate da dignidade, hoje perdida. É missão complexa, que tem de envolver a sociedade inteira. Mas que pode começar dentro da escola.

Como é triste indagar nas classes quem quer ser professor, e não encontrar receptividade. Onde foram parar o respeito, o carinho, a consideração, o afeto, a amizade?

Mais do que se importar com o ranking perante os demais Estados da Federação, um governo deveria se preocupar com a felicidade de seus funcionários e daqueles aos quais eles precisam ensinar o caminho da felicidade. Cobrar exação e eficiência, sim. Mas remunerar condignamente. E, mais do que isso, respeitar os professores, sempre objeto de mudanças, nunca agentes de transformação do seu espaço de trabalho.

Por incrível que pareça, há vocações dentro do Magistério. Como a de Elisabeth Tenreiro, que ensinava por amor. Uma lástima venha a merecer um reconhecimento póstumo, uma glória tardia, que não lhe poderá aliviar as angústias de ensinar numa escola próxima ao Palácio dos Bandeirantes e que leva o nome da mãe de um estadista cristão como Franco Montoro.

Publicado no jornal O Estado de S. Paulo/Opinião
Em 31 03 2023




voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.