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Acadêmico: José Renato Nalini Agora que o Parlamento fala em regular as redes sociais, é interessante verificar como é que o assunto foi tratado neste nosso Brasil.
Como reagir aos excessos A arte da maledicência é multissecular. Praticada em todo o planeta, sob o monopólio do bicho-homem. Não se tem notícia de que os demais, na escala animal, se dediquem a ela. E como o homem vai dominando a ciência e a técnica, aperfeiçoa a tática de difamar, de destruir a honra alheia, de espalhar inverdades. Por isso a fake News não é novidade. Sempre existiu. As fórmulas de disseminação é que variam. Agora que o Parlamento fala em regular as redes sociais, é interessante verificar como é que o assunto foi tratado neste nosso Brasil. Convém recordar, por exemplo, o lançamento da publicação chamada "O Corsário", que surgiu no Rio de Janeiro, então capital do Império, a partir de 2 de outubro de 1880. Seu proprietário, diretor, redator, tipógrafo e entregador dos exemplares era Apulcro de Castro. Percebeu que poderia ganhar dinheiro conspurcando reputações. Atraiu a atenção daqueles que ganhariam se diminuíssem a dimensão moral e o conceito de que fruíam seus inimigos. Quem quer que pretendesse divulgar uma inverdade, publicar uma injúria ou difamação, encontrava em Apulcro alguém disposto a servir. Suspeitava-se de que figuras notáveis do Império escreviam as inverdades e se escondiam sob o anonimato confortável, pois o responsável era o dono do Corsário. Essa aventura perdurou por mais de três anos e o pasquim ganhou adeptos. Lia-se afoitamente cada edição, na volúpia maldosa de quem se sente bem ao chafurdar lama. Quem nutrisse algum constrangimento poderia lê-lo às escondidas. O conteúdo era cruel. Não se atinha a aspectos da vida política dos alvos do sarcasmo. Adentrava-se à sua vida íntima. Uma das vítimas preferidas era o Conselheiro José Antonio Saraiva, Presidente do Ministério e seus Ministros, notadamente o Conselheiro Rodolfo de Souza Dantas. Naquele tempo, a troca de Gabinete era frequente e atendia à oscilação da política imperial. Pois quando a equipe do Conselheiro Saraiva foi substituída pelo grupo do Conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira, ele e seus companheiros passaram a sofrer a inclemente perseguição de "O Corsário". Ninguém era poupado. Os que frequentavam a Corte mereciam tratamento especial, pois figuravam em todos os números do jornaleco. A Família Imperial e o próprio D. Pedro II sofreram a sanha de Apulcro. Só que o nosso governante era um homem sábio, sereno, superior. Garantia a liberdade de expressão a qualquer custo. Ainda que sua honra estivesse em frangalhos, de acordo com os espúrios propósitos de quem ofertava à ralé fatos escabrosos envolvendo o supremo mandatário. A impunidade e a aceitação plena do que é podre para consumo dos que vegetam no lodo garantiram exitosa carreira para "O Corsário". Estimulado pelo sucesso em fama e dinheiro, o caluniador começou a provocar e insultar os oficiais do Exército Imperial, detendo-se na tarefa de destruir a moral daqueles que integravam o tradicional Primeiro Regimento de Cavalaria, encarregado da guarda e escolta de Sua Majestade. O silêncio e a passividade do Imperador açularam alguns oficiais, que pretenderam fazer justiça com as próprias mãos. O primeiro gesto foi o empastelamento das oficinas do Corsário. Nem isso refreou Apulcro, que já possuía outra oficina, exatamente por prever alguma reação de parte dos ofendidos pela sua pena. Aumentou a carga contra o Exército, elegeu alguns militares muito respeitados para neles derramar seu veneno e assim continuou sua triste tarefa. O último número de "O Corsário" foi publicado em 23 de outubro de 1883. Surgiu o boato de que o jornalista fora secretamente condenado à morte durante uma reunião que reuniu o oficialato de guarnição da Corte. No dia seguinte, havia grupos de oficiais à paisana, presentes em todos os lugares pelos quais Apulcro passaria. Ele percebeu que a coisa era séria e foi à chefatura da Polícia, pedir garantias de vida. O Ministro da Justiça era Francisco Prisco de Souza Paraíso e o chefe de polícia o Desembargador Gama e Melo. O delegado de plantão era Macedo de Aguiar, que comunicou o fato ao chefe. Este mandou dispersar os grupos na rua, fez comunicação ao Ministro da Justiça e pediu apoio do Visconde da Gávea, então Chefe do Estado-Maior. Acordou-se em levar o ameaçado a lugar seguro e o Capitão João Antonio Ávila fez com que Apulcro entrasse na viatura, para a sua remoção. Poucos metros percorridos, um bando de pessoas cercou o veículo, aos gritos de "Morte". Quando o delegado chegou ao local, os linchadores haviam se dispersado e Apulcro de Castro agonizava, crivado de balas e de punhaladas. Como costuma acontecer em nossa Pátria, o inquérito criminal tramitou lentamente e foi arquivado por falta de provas. Durante um período, o Rio de Janeiro se viu livre de imprensa maledicente. Depois, tudo voltou ao normal. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 29 03 2023 voltar |
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