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TUDO CHEGA AO STF
Acadêmico: José Renato Nalini
Tantas atribuições verdadeiramente anômalas prejudicam a sua missão precípua: a guarda da Constituição.

Tudo chega ao STF

O Supremo Tribunal Federal é o ápice do Poder Judiciário no Brasil. Criado após a proclamação da República - antes o nome era Supremo Tribunal de Justiça - foi inspirado no modelo americano, por influência de Rui Barbosa.

Após à redemocratização do país, em 1985, a matéria constitucional ampliou-se de forma excessiva. Com o intuito de salvaguardar direitos vulnerados ou ameaçados durante o autoritarismo, incluiu-se de tudo na Constituição Cidadã e o resultado é que todos os assuntos chegam, quase que automática e obrigatoriamente, à Suprema Corte.

Evidente hoje, para quem se propõe a estudar Ciência Jurídica, impregnar-se de estudos constitucionais. Aquela disciplina que era ministrada no segundo ano do bacharelado em direito assumiu importância tal, que hoje precisaria ser estudada nos cinco anos do curso e depois continuar a ser objeto de pesquisa e desenvolvimento na pós-graduação.

O Ministro Alexandre de Moraes, constitucionalista muito antes de integrar o STF, continua a orientar pós-graduandos da São Francisco. Orientou recentemente o ora Doutor Fábio Luis Bossler, que defendeu a tese "Controle concentrado de constitucionalidade de atos da Administração Pública: realidade, necessidade, proposta".

Fui privilegiado ao integrar a Banca de arguição. Privilegiado, pois tomei contato com primorosa pesquisa, fruto de um trabalho muito fecundo e devotado, que praticamente esmiuçou tudo o que o Supremo julgou em ação direta de inconstitucionalidade, ADPF, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e também o controle de compatibilidade com o texto fundante feito em outros julgamentos do órgão de cúpula do sistema Justiça.

Tem-se preciso diagnóstico do que os julgadores enfrentaram nesses anos pós 1988 e o mais importante é que o novel Doutor pela USP faz propostas concretas de aperfeiçoamento do sistema.

Enfrentou questões que mereceriam desenvolvimento autônomo, como a questão dos Regimentos Internos dos Tribunais, o papel do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, a questão das cotas, em caso real que ocorreu no âmbito da Universidade de Brasília. Além de um trato doutrinário que examinou a contribuição de brasileiros como Rui Barbosa, Hely Lopes Meirelles, José Cretella Júnior, Ada Pellegrini Grinover, para permanecer entre os que já estão no Panteão da Eternidade, foi abundante a pesquisa entre pensadores patrícios que hoje fornecem os melhores estudos sobre o tema e invocou o ensinamento de uma exuberante coleção de estrangeiros.

Dissecou a questão dos atos administrativos normativos, elaborou precioso exame das inconstitucionalidades materiais, formais, orgânica e finalística, vícios que soem contaminar os atos administrativos e suscitou instigante reflexão em todos os integrantes da Banca.

Uma verdadeira tese, pois impacta o território abordado, que foi consideravelmente ampliado na abrangência da pesquisa realizada e ofertou contribuição pessoal expressiva. Sem deixar de mencionar assuntos como "a geometria variável do bloco de constitucionalidade", as "normas de entricheiramento", nem sempre abordadas nos trabalhos convencionais.

Questionei-o a respeito da desenvoltura com que o CNJ - Conselho Nacional de Justiça normatiza questões que os Tribunais locais, notadamente os de Justiça, integrantes da Justiça Comum Estadual, entendem constitua matéria privativa deles. Algo que interfere com a ideia de Federação. A solução brasileira de transformar as províncias em Estados-membros resultou comprometida, porque - na verdade - vive-se um Estado centralizado. A União todo-poderosa absorve a maior parte da receita, convertendo as demais unidades federadas em dependentes de sua vontade absoluta.

A tese de Fábio Luís Bossler me fortaleceu na convicção de que o STF é um organismo sobrecarregado. Tantas atribuições verdadeiramente anômalas prejudicam a sua missão precípua: a guarda da Constituição. Situação ainda mais agravada com a constitucionalização de todos os assuntos. E com a exótica formatação do Poder Judiciário, com cinco ramos de Justiça, duas comuns, para proliferar conflitos de competência.

Pobre do jurisdicionado que precisa percorrer um sistema de quatro instâncias, pródigo em reiteradas possibilidades de reapreciação do mesmo tema, diante de uma caótica estrutura recursal.

Fortalece-me a certeza de que o STF brasileiro deveria se autoconter, transferindo competências não estritamente constitucionais - ou de controle da constitucionalidade - aos demais órgãos. Posicionar a cidadania sobre o que vale no universo jurídico, pois extrai seu fundamento de validade da lei fundamental, ou nele não ingressou, pois incompatível com ela, já representa notável contribuição para a ambicionada e hoje utópica segurança jurídica. Uma tese que deu o que pensar.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 27 03 2023




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