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Acadêmico: José Renato Nalini Quem conhece história sabe que os poderes são inclinados a se cercar de pessoas de baixa extração ou de mau caráter.
A praga do aulicismo Há uma raça, a dos áulicos, invariavelmente rondando o poder. A lisonja, a louvaminha, a subserviente adulação constituem seu diuturno exercício. Sempre foi assim e o detentor de autoridade não consegue se livrar da espécie. Ela adere qual sanguessuga e só deixa o seu habitat quando ocorre substituição do alvo. Pois a tática é estar sempre bem com quem manda, independentemente de quem seja. Quem conhece história sabe que os poderes são inclinados a se cercar de pessoas de baixa extração ou de mau caráter. Para explicar o fenômeno, Gustavo Barroso encontra vários motivos: "Em primeiro lugar, essa espécie de gente não faz sombra aos seus protetores; em segundo, lisonjeira como lacaios, sujeita-se a todos os caprichos do amo e presta-se a representar todos os papeis que ele indique; finalmente, não tendo nenhum valor próprio, seu criador pode reduzi-la ao nada de onde saiu, quando lhe der na veneta. Não é, pois, de admirar que muitos dos validos ou favoritos de reis e imperadores, em várias nações, tenham sido bufões, criados, escudeiros, copeiros ou eguariços. De outras vezes, se sua origem não é tão humilde, trata-se de indivíduos sem escrúpulos ou chocarreiros, verdadeiros testas de ferro ou palhaços dos que mandam". Isso ocorre até hoje e não é difícil apontar quem aplaude, freneticamente, aquele que tem a caneta ou a chave do cofre. Mas é prudente ater-se a quem já não pode se opor a este julgamento. Falo dos dois favoritos de Pedro I, um alemão e o outro português. O alemão é menos conhecido do que o luso, cujo apelido entrou na história: Chalaça. Mas um germânico chegou ao Brasil em 1821, com recomendação à Arquiduquesa D. Leopoldina, então casada com o Príncipe Real Pedro de Alcântara. Depois do retorno de D. João VI a Portugal, Pedro o nomeou agente secreto para colonização e recrutamento de braços para a lavoura. Para isso, pagou mercenários escolhidos no pior do que a Alemanha poderia fornecer: egressos das penitenciárias, aventureiros, "verdadeiros bandidos que puseram em 1829 o Rio de Janeiro em polvorosa, depois de cometerem os piores abusos anos seguidos", como narra Gustavo Barroso. Já o português, folgazão e contador de anedotas, daí a alcunha Chalaça, caiu nas graças do Imperador, que crescera convivendo com serviçais e gente da rua. O nome desse confidente era Francisco Gomes da Silva, que nascera em Lisboa, a 22 de setembro de 1791. Chegara a ser seminarista, mas acompanhou o pai que integrou a comitiva do Príncipe Regente D. João, em 1807. Alcoviteiro e eficiente arranjador de encontros clandestinos, conseguiu ser nomeado em 1810 para o cargo de Juiz de Balança da Casa da Moeda. Era íntimo do jovem Pedro, aventureiro e conquistador. Chalaça estava ao lado dele durante todo o tempo. Acompanhou-o na viagem a São Paulo, ocasião em que o Príncipe declarou a Independência do Brasil. Foi o Chalaça quem desenhou e mandou confeccionar a primeira coroa imperial do Brasil. Colecionou cargos e condecorações. Tantas aprontou, que o Marquês de Barbacena fez ver ao Imperador que a sua permanência na Corte era intolerável. Foi então nomeado Enviado Extraordinário e Encarregado de Negócios do Império do Brasil junto ao Reino de Nápoles. Algo que até hoje ainda ocorre, quando o governante quer se livrar de alguém cuja presença já não seja mais conveniente, mas não pretende admitir o menor equívoco na escolha de seus apaniguados. Em Londres, Chalaça escreveu um opúsculo com críticas à exposição contra ele, feita pelo Marquês de Barbacena e também um livro, "Memórias Oferecidas à Nação Brasileira", narrando a sua participação no início do Brasil liberto da metrópole portuguesa. Assim que D. Pedro retornou à Pátria, para defender a coroa destinada à sua filha D. Maria II, na luta contra o tio, Dom Miguel, o Chalaça se aproximou do amigo, que o nomeou Secretário de Estado da Casa de Bragança. Só que Pedro IV de Portugal - Pedro I do Brasil - morreu em 1834, aos trinta e quatro anos. Chalaça já se impusera como eminência parda e continuou a exercer as funções de Procurador Titulado da Imperatriz viúva, D. Amélia. Viveu sessenta e um anos, morrendo em Lisboa em 1852, dezoito anos depois da morte de seu protetor. Hoje o poder está rodeado de Chalaças, talvez sem a mesma avidez por títulos e condecorações. A muitos interessa mais conseguir nomeações para seus protegidos ou participar de contratos, evidentemente mais rendosos do que medalhas no peito. Mas a praga do aulicismo pode mudar de praxes, mas persiste naquilo que é de sua essência. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 26 03 2023 voltar |
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