|
||||
| ||||
Acadêmico: José Renato Nalini Os que hoje desdenham dos indígenas deveriam se lembrar de que no alvorecer do Brasil, houve lideranças autóctones que nos ajudaram a iniciar uma civilização.
Nossa raiz indígena Os que hoje desdenham dos indígenas, os verdadeiros donos da terra, deveriam se lembrar de que no alvorecer do Brasil, apesar do genocídio perpetrado pelo colonizador, houve lideranças autóctones que nos ajudaram a iniciar uma civilização. O caso mais emblemático é o de Tibiriçá, sogro de João Ramalho e aliado de Martim Afonso de Souza. O nome indígena Tibiriçá significa "o Príncipe da Terra" e é, como afirma Gustavo Barroso em "Segredos e Revelações da História do Brasil", quase título honorífico. Essa figura lendária, chefe dos guaianases de Piratininga, deixara-se converter à fé cristã pelos jesuítas José de Anchieta e Leonardo Nunes. Embora houvesse confronto por causa da escravização dos índios, o que não era unanimidade entre os ditos cristãos. Foi graças a Tibiriçá que os padres da Companhia de Jesus puderam permanecer no planalto pirapitingano e fundar ali, antes do Colégio, o primeiro povoado missioneiro, Santo André da Borda do Campo. Imagine-se o que foi, no século XVI, treze sacerdotes terem de escalar, enfrentando inúmeras dificuldades, a Serra de Cubatão. Chefiava a delegação o Padre Manuel de Paiva e era integrada por José de Anchieta, também escolhido por Manuel da Nóbrega para essa missão. A epopeia da subida da Serra do Mar, de onde se avistava o oceano, a Paranapiacaba dos Tupis, foi narrada pelo historiador da Companhia de Jesus, Padre Simão de Vasconcelos. Subiram a pé, rompendo a mataria, escorregando nas íngremes pirambeiras, pendurando-se em raízes e cipós, mãos e pés sangrando. Corpos e rostos feridos pelos espinhos, incertos quanto ao encontro de feras e de cobras venenosas. Mas o lema da Ordem fundada por Ignácio de Loyola era "Ad Majorem Dei Gloriam"! Tudo em nome da cristianização dos povos que habitavam a colônia. E o morubixaba Tibiriçá representou o laço que uniu, no mesmo intento, o índio bravio e o aventureiro dito civilizado, ambos irmanados "sob os braços acolhedores, pacificadores e luminosos da Cruz". Afinal, o Brasil chegou a ser chamado de "Terra de Santa Cruz". No relato do historiador Southey, os primeiros civilizadores levavam uma vida indescritível: "Dormiam em redes nem tinham roupa de cama: de porta lhes servia uma esteira pendurada à entrada. As roupas também haviam sido calculadas para a região menos vizinha do céu, pois eram de algodão as poucas que tinham; e andavam sem calças nem sandálias. Mesa lhes eram folhas de bananeira...". Jocosamente, Anchieta dizia que os guardanapos eram dispensáveis, porque não havia mesmo o que comer. Alimentavam-se do que lhes era fornecido pelos índios. Às vezes, de esmola, ganhavam uma cuia de farinha de mandioca. Raras as ocasiões em que eram premiados com algum peixe dos córregos ou caça da mata. Dispunham de frutas da selva, desconhecidas pelos europeus. Tibiriçá abraçou a causa jesuítica de tal forma, que na defesa da missão combateu em 1562 o próprio irmão, o tuxaua Arari. Gerações desmemoriadas se esquecem do contributo valoroso prestado por um chefe indígena que acreditou nos portugueses e, mais ainda, pôs fé nos homens que se vestiam de negro e que anunciavam a Boa Nova. Tibiriçá tomou o nome de Martim Afonso de Souza ao ser batizado e faleceu em São Paulo, no dia de Natal de 1562. No ano seguinte, proclamava Anchieta com saudades: "Morreu o nosso principal, grande amigo e protetor". Livre da influência do sogro, que protegia os jesuítas, João Ramalho pode então mover cruenta campanha contra a Companhia de Jesus. Gustavo Barroso lembra que esses primitivos tempos da gloriosa Pauliceia são recordados por uma relíquia que considerava preciosíssima. O tacape de guerra do chefe indígena Martim Afonso Tibiriçá. Feito de madeira duríssima, em forma de maça bastante pesada, porém fácil de manejar por um homem adestrado e forte. Quando utilizado por Tibiriçá, era adornado de um trançado de palha para evitar escorregasse da mão que o brandia. Também era dotado de plumagem colorida, algo que o tempo fez perder. A autenticidade da peça é garantida por registros históricos. Pertenceu durante longo tempo ao Imperador Pedro II, que o ofereceu, numa das visitas a São Paulo, ao respeitado estudioso dos selvagens, o General Couto de Magalhães. Os descendentes do General entregaram a peça histórica ao Dr. João Vieira da Costa Valente. Não há notícias sobre o paradeiro desse instrumento. Assim como rareiam as notícias sobre Tibiriçá e sobre a importância que ele exerceu na fase primitiva da fundação de Santo André e de São Paulo. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 24 03 2023 voltar |
||||
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562. |