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URSADAS FORENSES
Acadêmico: José Renato Nalini
O bicho-homem, esteja onde estiver, levará consigo essa vocação de Janus. Uma face para o bem, outra face para o mal. E este costuma vencer.

Ursadas forenses

O ambiente forense é concebido como se fora antessala do Éden. Seres angélicos, afeiçoados ao justo, a face jurídica da ciência do comportamento moral chamada ética.

Quem acredita nisso?

Existem, é óbvio, primícias paradigmáticas. Alguns verdadeiramente santos. Mas são pouquíssimos. Rareiam, assim como espécimes da fauna a caminho da extinção.

O bicho-homem, esteja onde estiver, levará consigo essa vocação de Janus. Uma face para o bem, outra face para o mal. E este costuma vencer.

Para não correr o risco de contemplar viventes, vamos rememorar o episódio ocorrido com o Conselheiro Albino José Barbosa de Oliveira (1809-1889), que chegou a ser Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Assim era chamado no Império, só com a República passou a se denominar Supremo Tribunal Federal.

No livro "Memórias de um Magistrado do Império", ele conta haver nascido em Coimbra, na casa de seu avô materno. Estuda na Universidade local e em 1831 vem ao Brasil. o pai o apresenta ao Ministro da Justiça, Diogo Antonio Feijó, que mandou escolher entre os sessenta lugares vagos da magistratura. Ele escolheu São João d'El Rei, depois foi nomeado para a comarca de Cachoeira, que compreendia a Feira de Sant'Ana, Maragogipe e Pedra Branca na Bahia. Em 1842, é nomeado Desembargador da Relação do Maranhão. Em 10 de março de 1847, casa-se com Isabel Augusta de Souza Queiroz.

Foi criado em 1855 o Tribunal de Comércio e Nabuco de Araújo, ministro da Justiça do Gabinete Paraná, que tinha grandes esperanças na organização de tribunais especializados, designou Albino Juiz adjunto. Por ter julgado a falência de Antonio José Domingues Ferreira, Albino viu-se incompatibilizado pelo Imperador e pelo Ministro da Justiça que já era outro: Francisco de Paula Negreiros Saião Lobato, o Visconde de Niterói.

De acordo com a versão de Albino, o Imperador tinha interesse em proteger o Barão de Mauá, envolvido em questões financeiras e vencido nas causas apreciadas no Tribunal de Comércio. Eusébio de Queiroz anuncia a Albino que ele fora demitido do cargo naquela Corte. Ficou desolado, porque "o desaforo foi muito grande e o alcance enorme, pois o governo punha em dúvida a minha honra de Juiz, que eu velava há 30 anos".

O Conselheiro Albino atribui a exoneração "ao patife do Saião, Ministro da Justiça, carrasco, executor material" da medida.

Como costuma ocorrer a quem perde status, houve quem caçoasse à sua passagem. Poucos amigos afluíram à sua casa, em solidariedade.

Em desabafo, Albino escreveu "o mais belo papel que jamais saiu de minha pena. Mostrei-o a meu irmão, que o achou muito bom, mas um período excessivamente forte. Mostrei-o ao Nabuco, que se mostrou entusiasmado com o papel, achou-o ótimo e disse-me que não lhe mudasse uma vírgula".

O artigo foi publicado no Jornal do Comércio e também no Correio Mercantil. Isso repercutiu no Parlamento, onde o Ministro Saião foi interpelado para que justificasse a demissão. O Conselheiro Albino também foi à Câmara e questionou o deputado João Capistrano Bandeira de Melo, lente de Direito no Recife e representante do Ceará: "Senhor Bandeira de Melo: justifique o seu governo. Denuncie as minhas prevaricações!".

Tamanho o tumulto na Câmara, que se propõe uma emenda hostil ao Ministério e ela passa por dois votos. O Conselheiro Albino conseguiu derrubar o Gabinete Imperial.

Ao deixar a Câmara, foi aplaudido por um grupo de pessoas. Agradecido, perguntou seus nomes. Eles responderam: "Não é preciso, somos brasileiros e prezamos a honra, onde quer que ela exista!".

O Imperador aceitou a demissão de seus Ministros e nomeou Zacarias de Gois e Vasconcelos. É o primeiro ministério da chamada Liga. Compunham-no José Bonifácio "o Moço", Francisco José Furtado, Manuel Marques de Sousa, Carlos Carneiro de Campos, José Pedro Dias de Carvalho e Antonio Coelho de Sá e Albuquerque.

O Conselheiro Albino foi Presidente da Relação em 1864 e chegou depois ao Supremo Tribunal de Justiça, onde se aposentou.

De seu libelo extrai-se a coragem de arrostar os poderosos que o afastaram da jurisdição do comércio: "Qualquer crime, ou mesmo falta, por pequena que seja, que eu tenha cometido, quer na vida privada, quer na pública; quer como filho, esposo, pai, parente ou amigo, quer como cidadão em todos os atos da vida civil, e principalmente como magistrado: eia! Venha tudo à discussão. Se eu sou um hipócrita, arranque-me a máscara, e por bem da moralidade, não consinta que eu goze dos apanágios só devidos à virtude; mas se eu sou um homem de bem, como me diz a consciência, se mereço a estima de tantos cidadãos conspícuos, que afluíram à minha casa, aturdidos do destampatório ministerial e tantos outros, que das províncias me escreveram indignados pela tal celebreira, com que direito e para que fim veio o governo tão cruelmente molestar-me?".

Quantos que se consideram injustamente acusados, podem fazer repto igual?

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 20 03 2023



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