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Acadêmico: José Renato Nalini Para os males de que São Paulo padece há um remédio de fácil administração, ainda negligenciado por todos os que podem reverter os rumos do caos: o adensamento da ocupação do espaço que mais detém recursos em infraestrutura e mobilidade
Contra evidências não há argumento A megalópole chamada São Paulo, excitante e desvairada, padece de inúmeros males. O maior centro econômico da América Latina é um retrato expressivo da iniquidade social brasileira. A ostentação glamourosa de um mercado de luxo convive com a miséria mais abjeta. As maiores fortunas compartilhando espaços físicos de absoluta carência. Sedes tradicionais de instituições financeiras consolidadas exibem às suas portas crescente número de moradores de rua. Aceita-se como normal a indignidade de habitar área pública de uso comum do povo. Legiões de pedintes mendigam de forma incessante. Não há semáforo sem que alguém, a carregar uma criança, esteja a esmolar. Os cartazes com a palavra “fome” trivializaram-se. É surreal a persistência de um fenômeno como a Cracolândia. Inúmeras administrações se dispuseram a exterminá-la e ela, como câncer insidioso, sinaliza a metástase do centro paulistano. É melancólica a situação de regiões que já foram charmosas, pois escolhidas para a moradia de famílias conceituadas, e se degradaram pela progressiva deterioração contra a qual não se ofereceu resistência. Projetos, planos e ideias mirabolantes já constaram de programas municipais, sem qualquer resultado. Dir-se-á que o problema de esfacelamento dos valores urbanísticos é comum a todas as grandes cidades. Desrespeito aos monumentos, falta de educação cidadã, a poluir logradouros, a terrível pichação que nada poupa, a migração residencial e de outras atividades para polos remotos, tudo isso explicaria o abandono da parte nobre da Pauliceia. Só que há um remédio de fácil administração, ainda negligenciado por todos os que podem reverter os rumos do caos. É o adensamento da ocupação do espaço que mais detém recursos em infraestrutura e mobilidade. Gerações inteiras investiram no centro expandido de São Paulo, hoje provido por rede de água, esgoto, gás e energia elétrica. Território que conta com o melhor transporte coletivo disponível: metrô e ônibus elétrico, pistas especiais para bicicletas, passeios conservados, a permitir deslocamentos a pé. É a região que concentra mais equipamentos urbanos: hospitais, escolas, teatros, cinemas, templos, centros culturais e florescente comércio. O que impede o adensamento racional do centro da metrópole? Leis obtusas, nem sempre adequadas à contemporaneidade e, lamentavelmente, atuação restritiva, acanhada e prejudicial do sistema Justiça. O fetiche da lei é um fator que inibe o desenvolvimento, quando interesses antagônicos pelejam no âmbito da Câmara Municipal. Nem sempre o interesse público é o atendido. Em seguida, utiliza-se do Judiciário para frear o progresso, valendo-se de argumentos aparentemente corretos, mas que não cotejam os valores em jogo. Incontáveis planos restam paralisados por liminares, muitas vezes por excessivo e equivocado protagonismo do Ministério Público ou por setores privilegiados que pretendem preservar situações incompatíveis com a realidade paulistana. A região que congrega os maiores benefícios do investimento estatal se esvazia, lenta, mas progressivamente. As novas gerações deixam imóveis construídos para abrigar família numerosa para ocupação unipessoal. É flagrante o esvaziamento da parte mais nobre da insensata metrópole. Enquanto isso, são expulsos para periferia cada vez mais distante aqueles que precisam trabalhar no Centro e são obrigados a tomar várias conduções para chegar ao emprego. Metrópoles comparáveis a São Paulo têm um adensamento inteligente, muito superior ao nosso. Essa ocupação é benéfica sob vários aspectos: torna viva a cidade, que parece morta assim que a noite chega. Reduz o temor de circulação no centro histórico, pois se tornará habitado. Aumenta a produtividade dos profissionais que já não necessitarão de horas para o deslocamento. Mitigará os efeitos do aquecimento global, pois haverá menor emissão dos gases causadores do efeito estufa. São evidências que parecem não comover os verdadeiros “donos” da utilização egoísta e equivocada do sistema judiciário. O apego ao excessivo formalismo ignora a verdade irretorquível de que as cidades mudam, assim como mudam as pessoas. Não se consegue segurar a realidade com liminares e procrastinações nefastas. A consequência imediata é o comprometimento da qualidade de vida, a entrega de extensões privilegiadas ao abandono e à ocupação da ilicitude, pois os vazios serão preenchidos, de uma forma civilizada ou por outra. Uma conurbação que cresceu sem adequado planejamento necessita de coesão entre todos os atores que nela vivem. Poder público, Ministério Público, Poder Judiciário, Polícias, urbanistas, arquitetos, a universidade e o terceiro setor, os heróis da construção civil, que dão empregos e sobrevivem galhardamente, quantas vezes hostilizados pelos que nada constroem, mas que com seus cliques conseguem frear o verdadeiro progresso desta São Paulo que nos assusta, mas que amamos intensamente e para cujos moradores temos a obrigação de fazer o melhor. Publicado no jornal O Estado de S. Paulo/Opinião/Espaço Aberto Em 19 03 2023 voltar |
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