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Acadêmico: José Renato Nalini O Brasil é pródigo em fatos controversos. É rara a unanimidade.
Controvérsias insolúveis Fakenews não é novidade. Sempre existiu na história da humanidade. Versões conflitantes costumam defluir de quase todos os episódios. O interesse de quem os acompanha e vai narrar é que definirá as distintas versões. O Brasil é pródigo em fatos controversos. É rara a unanimidade e, como disse o filósofo Nelson Rodrigues, "toda a unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade, não precisa pensar". O drama do Visconde de Mauá é um desses mal contados. Sempre nutri a convicção de que ele foi um visionário, um idealista, massacrado pela inveja que sempre persegue os pioneiros. Pelo que eu soube, empreendeu corajosamente e perdeu sua fortuna para se defender e manter honrado seu nome. Num tempo em que reputação valia alguma coisa no Brasil. Alberto de Faria comunga da opinião de que Pedro II o abandonou à própria sorte. Sustenta que o imperador se recusou a empregar o seu prestígio francamente a favor de Mauá, a quem nunca teria encarado com especial simpatia. Outra é a opinião do Conselheiro Albino José Barbosa de Oliveira, magistrado que participou do julgamento das ações de interesse de Mauá. Ele conservou graves e profundos ressentimentos em relação aos termos agressivos de Mauá para com os magistrados e nunca mais o perdoou. Em 1879, numa carta, ele exsudava seu amargor em relação a Mauá, que teria publicado algo na mídia, dando a entender que não houvera lisura no julgamento. Isso, dezenove anos depois do processo. O julgamento ocorreu no âmbito do Tribunal de Comércio, criado em 1855, por força do Código Comercial de 1850. O magistrado Albino José comenta o fato de ter julgado a falência de Antonio José Domingues Ferreira, demanda da qual "provieram profundos desgostos, pela parcialidade com que o Imperador e, consequentemente, o seu Ministro da Justiça, Francisco de Paula de Negreiros Saião Lobato, depois Visconde de Niterói, seu lacaio e dependente, olhavam para os interesses do Barão de Mauá, a quem fui adverso". Em 1860, o desencontro de teses defendidas pelos advogados de Mauá e as adotadas pelo Conselheiro Albino chegou à mídia. Ele comenta em suas memórias: "Já nesse ano começavam os insultos do Barão de Mauá por causa dos julgamentos do Tribunal do Comércio, nos quais eu me mostrava infenso a esse velhaco". O sentimento de Albino José Barbosa de Oliveira em relação a essa causa é de exagerada hostilidade, algo que, à evidência, retirava-lhe a necessária imparcialidade. Comenta suas lembranças de 1861: "Foi nesse ano que tive a veleidade de ser deputado por São Paulo, antevendo a borrasca que me preparavam as vinganças do patife Mauá, o servilismo do miserável Saião Lobato e a proteção cega e parcial que votava o Imperador àquele patife". Hoje, se um juiz se utilizasse de verbetes como "patife" e "velhaco", seria alvo de apuração por parte do CNJ. A questão que envolveu o Visconde de Mauá no Tribunal do Comércio foi minuciosamente estudada por Alberto de Faria, no livro "Mauá", de 1926. Era um caso complexo, que surgiu na falência de Domingos Ferreira. De um lado Mauá, Mac Gregor & Cia, de outro Rodrigues de Moura. Os advogados foram dois dos maiores nomes do foro brasileiro: por Mauá, o grande Augusto Teixeira de Freitas. Pela parte adversa, Nabuco de Araújo. O julgamento ocorreu em 1859 e Mauá perdeu. O Conselheiro Albino atribui a seu voto a perseguição que sofreu a seguir na carreira. Foi várias vezes preterido, foi sumariamente exonerado do Tribunal do Comércio, foi difamado pelos próprios colegas. Ele se considerava uma vítima de traição. Até desconfiava de um magistrado, porque a Baronesa de Muritiba contou-lhe que um juiz falara de sua honestidade, "mas nunca quis denunciar-me o miserável. Fazia desfilar ante mim um sem número de nomes, perguntando-me quais minhas relações com cada um deles. Entre esses estava o do infame e ela mostrava-se pasmada, quando me ouvia dizer bem de todos eles e relatar circunstâncias minuciosas de amizade, quando se falava do autor da calúnia. Eu desconfiei sempre dele, já pelo interesse que ele tinha em ser Presidente do Tribunal, já pelo procedimento dele no julgamento do processo de Mauá. O interesse, a filáucia e a injúria produzem muitos delitos e infâmias". Nítida a hipocrisia que reside nos Tribunais. Veja-se, também, o perigo de assumir acusação intimorata sem o exame dos autos. O prejulgamento, o preconceito, a tendência inspirada em simpatia ou antipatia pessoal produzem injustiças. Quem teria razão no processo de Mauá? Minha experiência recomenda-me dizer que, em regra, as demandas não comportam maniqueísmo. A tragédia nos Fóruns é que todos os envolvidos podem ter suas razões. E o juiz não pode decretar empate! Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 17 03 2023 voltar |
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