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Acadêmico: José Renato Nalini Um projeto consistente de regularização fundiária em todo o Brasil representará uma injeção vitamínica na conjuntura econômica
Questão fundiária tem pressa A propriedade é um direito fundamental de primeiríssima geração. Está no caput do artigo 5º da Constituição da República, logo após vida, liberdade e igualdade. Mas a superioridade hierárquica desse bem não tem sido levada a sério pelo governo e pela sociedade. Mais da metade do Brasil padece de irregularidade fundiária. Prejuízo incalculável para o Erário, para o ambiente, para a edificação de uma sociedade fraterna e solidária. Os conflitos na Amazônia Legal são recrudescidos com a insegurança jurídica. Patrimônio nacional, as áreas públicas tornam-se terra de ninguém. Palco de vandalismo e de delinquência a mais variada. Invasão, ocupação ilícita, exploração clandestina de minérios em terras indígenas, genocídio de várias etnias que resistiram durante quinhentos anos à crueldade do "colonizador". Tudo isso se agrava com a negligência do Estado ao encarar a questão como se fora epidérmica, meramente registral. Não: é uma questão econômica e de consolidação da cidadania, eixos civilizacionais de uma República que adota a democracia como alicerce do Estado de direito. Não faltam estruturas normativas, a partir da Constituição e do Estatuto da Cidade. Nem faltam obras doutrinárias oferecendo instrumental de fácil utilização, quando existe vontade política. A Professora Rachel Lopes Queiroz Chacur é uma das estudiosas do tema e sua tese de Doutorado que mereceu o título "Propostas de modelos de soluções de problemas fundiários a partir de dados dos órgãos públicos da cidade de São Carlos-SP", deveria ser estudada e aplicada em outros municípios. Ela propõe uma nova metodologia no tratamento dos dados disponíveis pelos diversos órgãos, mas não tratados em conjunto, num contexto de busca de solução que apresentaria melhor resultado do que o trato convencional de uma questão complexa. É lamentável que as inúmeras Faculdades de Direito em funcionamento no Brasil, país que possui mais Escolas de formação Jurídica do que a soma de todas as outras que existem no restante do planeta, não promovam esforços para que o alunado ajude a enfrentar o problema. Em lugar dos "Júris simulados", de parca utilidade, das "Semanas Jurídicas", repetitivas e insossas, um alunado poderia se entusiasmar por um exercício concreto de regularização fundiária. Começar por um pequeno trecho da cidade. Por uma rua. Por um apanhado de residências sem a segurança jurídica do registro imobiliário. O encontro do estudante com a crua e cruel realidade jurídica de todas as urbes do Brasil contribuiria para formar um profissional mais sensível às desigualdades sociais. Não basta decorar leis, doutrinas e jurisprudência. Isso é instantaneamente localizado mediante um clique num celular. Já ouvir o relato de quem mora mal, ou que simplesmente não mora, privado do direito social à moradia, daquele que pagou religiosamente as prestações do seu ínfimo imóvel e depois não obtém registro, despertaria na juventude a intenção de regularizar situações que se eternizam, em detrimento da noção de cidadania. A regularização fundiária também exige um trabalho interdisciplinar, pois serão necessários médicos, enfermeiros, assistentes sociais, urbanistas, arquitetos, sociólogos, economistas, engenheiros, agrimensores, uma gama enorme de profissionais. Contactar outras ciências, principalmente as chamadas "ciências duras", vai trazer para o território hermético do direito uma noção mais aproximada do que é a vida real. Perceber-se-á que a melhor Constituição, a mais bem elaborada lei urbanística, a mais densa doutrina são insuficientes para a solução de conflitos fundiários poliédricos. Um projeto consistente de regularização fundiária em todo o Brasil representará uma injeção vitamínica na conjuntura econômica, pois propiciará a obtenção de crédito para construção, para reforma, para melhoria de ocupações vulneráveis. Mas o principal será a reafirmação da cidadania. O que era considerado até então um invasor, um ocupante clandestina de terra alheia, terá o seu título dominial, o seu endereço, será promovido a cidadão de primeira classe. Não é pouco para uma República em que trinta e três milhões passam fome, cento e vinte milhões padecem de insegurança alimentar e quantos seriam os milhões desprovidos de condições de fruir de seus direitos cidadãos? Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 16 03 2023 voltar |
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