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EÇA DE QUEIROZ E EDUARDO PRADO
Acadêmico: José Renato Nalini
Quando é que São Paulo verá nascer um outro Eduardo Prado?

Eça de Queiroz e Eduardo Prado

Eduardo Paulo da Silva Prado (1860-1901), intelectual hoje esquecido, como tantos outros, foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e é patrono da Cadeira 5 da Academia Paulista de Letras. Filho de D. Veridiana Prado, só poderia ser um visionário, como a mãe. Monarquista ferrenho, conhecedor do mundo, criticou a República e escreveu inúmeros artigos depois convertidos nos "Fastos da ditadura militar". Foi amigo íntimo de Eça de Queiroz e também conviveu com Ramalho Ortigão, outro grande escritor português.

Eça de Queiroz conviveu bastante com Eduardo Prado e chegou a descrevê-lo, embora se diga que ele não conheceu profundamente o amigo. Mencionou um livro desconhecido, "Destinos do Brasil", dizendo que nele, Eduardo Prado teria elaborado um perfeito estudo de psicologia social. No mais, Eduardo não produzira mais do que isso. Sua obra restante seria planfletária, embora não venenosa.

Escrever panfletos não é nenhuma desonra. Seria o gênero literário praticado por Proudhon, aquele que afirmou que "toda propriedade é um roubo", mas também utilizado por Pascal, Cicero, São Basílio, Tertuliano, São Paulo e até pelos profetas Isaías e Ezequiel.

O que é um panfleto: uma ideia muito clara, saída de uma convicção muito forte, rigorosamente dosada em termos curtos e límpidos com muitas provas e muitos exemplos. Eça ainda acrescenta: é "a mais corajosa, mais útil, mais pura ação que um homem pode produzir em seu tempo, porque se a ideia é boa, teremos a verdade, e, se má, logo aparecerá quem a corrija e a correção produzirá exame, comparação, contraprova e, portanto, a aproximação da verdade".

Eça de Queiroz talvez se ressentisse, como português de tradição formal, da ousadia de Eduardo Prado. Pois atribuía ao amigo mostrar-se "confuso nos desejos, nos planos e nos modos. Quando pensa, é um lúcido, de uma lucidez completa, ricamente intensa, como um fino dardo que vara horizontes". Para Eça, Eduardo Prado era um publicista e não um escritor; "é impetuoso e eloquente, porque inspiradamente o exaltou a grandeza da verdade entrevista em arranco grandioso de indignação, alguma brusca emoção de piedade ou aquela segura proximidade do triunfo que solta todo o som aos clarins".

Na formação lusa castiça e conservadora, Eça talvez se assustasse com o brasileiro, a quem atribuía a carência de um estilo natural, daquela luminosa e ondulosa harmonia que os gregos chamavam eurritmia, porque todos os livros de Eduardo Prado eram guerras e ele, intelectualmente, era um guerrilheiro.

O entusiasmo e a ousadia de Eduardo Prado pareciam ao escritor português algo vertiginoso e confuso, a caracterizar um demolidor. Reconhece, apesar disso, que a principal qualidade do amigo era a curiosidade. Era um farejador combativo.

Todavia, a curiosidade de Eduardo Prado era saudável. Não foi um simples curioso. Via com o objetivo de procurar a verdade. Qual verdadeiro pensador, como realmente o foi, preocupado com assuntos graves, profundos, de ordem filosófica, religiosa, política e social.

Seja como for, Eça de Queiroz retratou o amigo em "A cidade e as serras" e dele afirmou que "o seu dom mais cativante era a sociabilidade. Uma alma superiormente sociável, pois era o mais desejável companheiro, mesmo para aqueles que dele só receberam sarcasmos, não só para os que dele só colheram carinho, pela sua inata alegria, vivacidade inventiva, veia ricamente cômica, abundância de delicioso humorismo e do inédito". A simplicidade o caracterizava, embora permanecesse elegante. Desdenhava a ostentação. Interessava-se por tudo. Sua constante vontade de conhecer mais, de saber mais, tornou-o pródigo elaborador de ideias.

A religiosidade de Eduardo Prado - católico fervoroso - foi considerada opção estética por Eça de Queiroz. Mas não era assim. Ele assumiu a religião como bandeira de retomada do Brasil jesuítico. Pois foi ele quem inaugurou as conferências anchietanas, precursoras da Ação Católica, na linha que foi observada por intelectuais brasileiros como o senador Mendes de Almeida, o Conde Afonso Celso, Carlos de Laet e outros, e que terminaram com Jackson de Figueiredo.

As conferências anchietanas representaram a ressurreição da civilização católica do Brasil e isso se deve a Eduardo Prado. Morreu aos 41 anos, de febre amarela. Mas no país de hoje, faltam curiosos como ele. Que procurem a verdade. Que escrevam panfletos de retomada de valores como a ética, a probidade, o desapego ao vil metal e aos cargos públicos.

Quando é que São Paulo verá nascer um outro Eduardo Prado?

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 22 02 2023



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