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FALÁCIAS DO CAR
Acadêmico: José Renato Nalini
A falácia do CAR é justificar a obrigação de manter 80 de cobertura vegetal em imóveis rurais na Amazônia e, aparentemente, forçar o fazendeiro subsistir mediante exploração dos restantes 20.

Falácias do CAR

O desmatamento no Brasil é uma questão trágica. Envolve a própria subsistência da vida no planeta. Uma República em que o discurso é a regra e a prática patina na indigência, exerce o ufanismo como hobby. É comum ouvir-se que a floresta amazônica está intocada, assim como os portugueses a encontraram em 1500. Ou que as nações preocupadas com o desaparecimento da última grande floresta tropical não têm legitimidade para cobrar compostura do governo brasileiro, já que destruíram o seu verde há muitos séculos.

Ocorre que o Brasil tem uma Constituição que já foi chamada "ecológica". Isso porque o seu artigo 225 foi considerado a mais bela norma constitucional produzida no século 20. O que não impediu os brasileiros de dizimarem os seus biomas, com ferocidade inimaginável.

A única esperança de salvação do que resta vem, paradoxalmente, do estrangeiro. Em 2020, a revista Science analisou a situação da soja e da carne que a União Europeia importava do Cerrado e da Amazônia Legal. Vinte por cento do grão e dezessete por cento da carne estariam provindo do desmatamento ilegal. Pensou-se que o CAR - Cadastro Ambiental Rural fosse um instrumento de defesa do verde. Mas não é.

Houve análise de 362 mil propriedades na Amazônia. Das quais 162 mil, ou 45, não atendiam ao Código Florestal. Isso porque invadiam áreas de preservação permanente - APP ou não conservavam suas reservas legais. Os ruralistas detestam a Reserva Legal. Ela consta daquilo que se costuma chamar "Código Florestal" de 2012, que desfigurou o verdadeiro Código Florestal de 1965, também rompendo com a tutela prevista no Código Florestal de 1934.

A falácia do CAR é justificar a obrigação de manter 80 de cobertura vegetal em imóveis rurais na Amazônia e, aparentemente, forçar o fazendeiro subsistir mediante exploração dos restantes 20.

Não é isso o que acontece. João Moreira Salles, em Arrabalde, responde: "Tornar-se fazendeiro na maior floresta tropical do mundo é uma decisão voluntária. As regras são claras e resultam de um longo debate na sociedade brasileira. Se elas parecem pouco razoáveis, então que se evite o bioma". Só que o argumento real é muito mais sério: "Parte de uma falácia o alarido sobre como os proprietários rurais na Amazônia, todos eles ou pelo menos a maioria, são forçados a preservar 80 de cobertura vegetal em seus imóveis. Um levantamento inédito feito pelo engenheiro florestal Heron Martins, especialista em análise de imagens de satélite, mostra como a situação real difere da descrita pelos ruralistas e seus representantes".

Para fazer esse estudo, processou-se mais de um milhão de registros de CAR emitidos na Amazônia. "Martins eliminou duplicidades, sobreposições e impropriedades evidentes, tais como lotes no interior de terras indígenas ou de florestas nacionais. O restante corresponde a propriedades reais - fazendas e assentamentos - que podem ser legais ou não (grileiros também se registram no CAR, na expectativa de que ocorra alguma mudança nos marcos temporais da legislação, evento comum na história recente do Código Florestal. Nesse caso, o registro poderá servir de prova de que o grileiro ocupava a terra antes da nova data de corte, facultando-lhe o direito à posse)".

O número de propriedades obrigadas a preservar 80 da mata é muito pequeno. As situações servem para tornar imprecisas e ambíguas as informações. Um exemplo emblemático: as pequenas propriedades rurais. São os que não excedem quatro módulos fiscais, o que varia de município para município. Se em 22 de julho de 2008 esse imóvel tivesse apenas 15 de cobertura florestal, será essa a dimensão a ser preservada. E quase 90 dos cadastros rurais na Amazônia correspondem a pequenas propriedades.

A esperteza dos proprietários é evidente: há inúmeros cadastros de pequenos imóveis registrados no mesmo nome e, com a georreferencia, verifica-se que são contíguos. "Os donos nem se dão ao trabalho de buscar um laranja. Eles simplesmente retalham a propriedade e passam a se beneficiar da regra que vale para os pequenos".

Há outras exceções. Mais de 56 das propriedades na Amazônia NÃO precisam obedecer à regra dos 80. As exceções viraram regra. Para completar, técnicos de organismos considerados idôneos, ajudam a divulgar a falsidade de que os dados divulgados por ambientalistas e cientistas são alarmistas. Fazem a mágica da soma de reservas florestais, reserva legal, APPs, demarcações indígenas e querem fazer crer que a área preservada suplanta a do território brasileiro...

O pior, é que há gente que acredita. É urgente fazer uma regularização fundiária consistente, séria e confiável. A confusão registral na Amazônia só favorece grileiros, posseiros, invasores, garimpeiros e outros criminosos, que põem em risco o futuro de qualquer espécie de vida neste ultrajado planeta.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 12 02 2023



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