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Acadêmico: José Renato Nalini Uma característica da maior relevância em Bandeira é sua generosidade ao enaltecer amigos e companheiros de ofício.
Bandeira, o pródigo Manuel Bandeira sempre me cativou. A sua "Pasárgada" foi uma inspiração para os da minha geração. Nasceu Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho em 19 de abril de 1886 no Recife e faleceu em 13 de outubro de 1968, no Rio de Janeiro. Sua família chegou a morar em Santos e na capital paulista, entre 1890 e 1992. Queria seu pai que ele fosse engenheiro. Temperamento artístico, de verdadeiro poeta, não se entusiasmou. É o que ele conta no poema "Testamento": "Criou-me, desde eu menino/Para arquiteto meu pai./ Foi-se-me um dia a saúde.../ Fiz-me arquiteto? Não pude!/ Sou poeta menor, perdoai!". Sim, o pai tentou fazê-lo arquiteto. Ainda não existia a FAU. Veio estudar "engenharia e arquitetura" na Escola Politécnica em São Paulo, em 1903. Só que em 1904 contrai tuberculose e vai para o Rio se tratar. Em busca da cura, mora em Campanha, Teresópolis, Maranguape, Uruquê e Quixeramobim. Doença insidiosa, não cedia. Em 1913, vai para a Suíça, tratar-se no sanatório de Clavadel. Seu primeiro livro, "Poemetos Melancólicos", foi escrito nessa ocasião. Perdeu-se! Por infeliz coincidência, a cada dois anos perde uma pessoa querida: em 1916 a mãe, em 1918 a irmã, que lhe servia, carinhosamente, como enfermeira. Em 1920, falece o pai e, dois anos depois, o irmão. Por isso ele insere notas autobiográficas em sua poesia: "Sou bem-nascido. Menino,/Fui, como os demais, feliz./Depois, veio o mau destino/ E fez de mim o que quis". Nesse mesmo 1922, em que morre o quarto membro da família, na Semana de Arte Moderna, cujo centenário acabamos de celebrar, Ronald de Carvalho lê o poema "Os sapos", recebendo apupos e causando espanto na provinciana plateia do Teatro Municipal. Continua a escrever, a fazer crítica literária, jornalismo e a lecionar. Em 1951, atende a conselho de amigos e candidata-se a deputado pelo Partido Socialista Brasileiro, mas não se elege. Uma característica da maior relevância em Bandeira é sua generosidade ao enaltecer amigos e companheiros de ofício. Quando se propôs a escrever crítica de artes, não queria que seus textos fossem destinados a iniciados ou especialistas. Seu objetivo era atingir o grande público, o homem da rua. Um escrever conversado, nem sempre encontrado nas conferências dos literatos. "A função do crítico, para ele, deveria ser primacialmente esclarecedora, algo diverso do que era seguido pelos críticos da linhagem de Pedrosa, vinculados às vanguardas que vinham surgindo após as experiências modernistas e cujo discurso era inacessível à maioria das pessoas", diz Carlos Newton Júnior, em prefácio ao saboroso pequeno livro "Manuel Bandeira - Crítica de Artes". Para Bandeira, "se não se entende a obra, ainda menos se entende a explicação". Manuel Bandeira não era generoso apenas com os seus contemporâneos. No ensaio "Artes Plásticas no Brasil", ele fala sobre a arte pré-cabraliana, sobre a arquitetura jesuítica, sobre os pintores holandeses no Brasil, estende-se a respeito da pintura religiosa e aborda a escultura no Brasil colonial. Detém-se a analisar a influência da Missão Francesa e chega ao movimento modernista, elogiando Anita Malfatti e, logo em seguida, Mário e Oswald de Andrade. É muito generoso - e com toda a justiça - em relação a Portinari, que "muitos americanos do Norte já chamam o maior pintor da América, elogio que lhe deve parecer bastante antipático, porque a América é apenas uma das cinco partes do mundo". Sobre Portinari, assevera que em sua arte "palpita sob as formas de modernidades as mais óbvias o espírito da pintura em suas grandes épocas, já que em suma os seus elementos são os da melhor tradição: desenho seguro e gracioso, mesmo quando deforma; composição equilibrada e estrutura robusta; palheta generosa; o sentimento infalível dos valores. Tudo o que a Europa dos mestres imperecíveis pode ensinar, aplicado à interpretação da realidade brasileira, mais digna de estudo, de meditação e de ternura. Portinari é filho de italianos - João Batista Portinari, florentino, vindo para o Brasil aos treze anos de idade, e Dominga Torquato, natural de Vicência, no Brasil desde os cinco ou seis anos. Brodowski, a longínqua cidadezinha do interior paulista, onde se fixou o casal e onde nasceram os seus doze filhos, foi bastante forte para impor ao menino que viria a ser um grande artista a personalidade caipira, não só no jeito e na fala, mas também, e principalmente, nas melhores virtudes que caracterizam o nosso homem do sertão. A Brodowski, tão brasileira apesar do seu nome polonês, devemos o sentimento brasileiro intenso que informa toda a obra de Portinari, tão intenso que provocou de Assis Chateaubriand a famosa boutade: "É preciso ter nascido de pais florentinos para descobrir pictoricamente o Brasil". A prodigalidade crítica de Bandeira faz muita falta. Se a educação tivesse ensinado de forma competente, o Brasil não assistiria a vandalismos como aquele do "dia da infâmia", o malfadado 8 de janeiro de 2023. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 07 02 2023 voltar |
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