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Acadêmico: José Renato Nalini Foi um apaixonado por São Paulo e imaginou esta cidade cosmopolita como exemplo de convivência profícua entre o trabalho, o engenho e todas as artes.
Glória a Mário O ano passado foi pródigo em celebrações do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922. Livros e artigos reverenciaram os heróis dessa façanha, jovens paulistanos ousados e destemidos. Mário de Andrade merece todas as glórias. Apesar de críticas à Semana, provindas de fonte legítima e talentosa, o acadêmico Ruy Castro, de quem sou devoto, deve-se manter o exemplo andradiano como inspiração para todos os jovens. Minha admiração pelo jovem morador da rua Lopes Chaves vem dos tempos de criança. Macunaíma, o "herói sem nenhum caráter", me instigava a conhecer mais sobre os brasileiros, sua cultura e suas características. Mário foi um apaixonado por São Paulo e imaginou esta cidade cosmopolita como exemplo de convivência profícua entre o trabalho, o engenho e todas as artes. Sua paixão concretizou-se quando assumiu o comando do organismo estatal de incentivo à cultura. Como dizia Georges Bernanos, não existe coincidência. O que chamamos "coincidência" não é senão "a lógica de Deus". Pois essa lógica trouxe para a Cadeira que foi de Mário de Andrade na Academia Paulista de Letras, o notável Maestro Júlio Medaglia. Coincidência, porque a música exerceu papel preponderante na vida de Mário. Em conferência proferida no foyer do Teatro Municipal do Rio, Manuel Bandeira falou sobre Mário, como "animador da cultura musical brasileira". Afirmou não estar ali "para fazer a apologia de Mário de Andrade como artista e grande artista que foi. Nem seria preciso defender uma verdade que está na consciência de todo brasileiro culto. Estamos aqui para lembrar o homem que foi um dos animadores mais dinâmicos, mais fecundos, mais revolucionários que já tivemos. E em música ainda não tínhamos tido nenhum outro de sua classe". Se na literatura e nas artes plásticas Mário de Andrade pode ser considerado um autodidata, "na música teve educação no Conservatório paulista. Pouca gente sabe que, antes de se revelar poeta, pensou ele em estudar para pianista. Mas ainda antes de terminar o curso do Conservatório já a sua autocrítica o tinha convencido de que não nascera para intérprete executante: seria intérprete de outro gênero. Fez-se professor. No mesmo Conservatório, professor de História da Música e de Estética Musical; em aulas particulares, professor de piano". Para Manuel Bandeira, Mário não ensinava piano. Ensinava música. Era o seu pragmatismo patriótico. "O Brasil, raciocinava ele, podia deixar para mais tarde a formação de virtuoses deste ou daquele instrumento. O mais urgente era criar-se uma consciência musical". Para ele, a cultura musical era a mais intensa força socializante. Logo após à Revolução de 30, Mário foi convidado a organizar um plano de reforma do Instituto Nacional de Música. O que seria a reforma? Ele a definiu bem: "Era uma criação quase lunática em sua energia, em sua severidade, na elevação imediata de nível de cultura que exigia dos candidatos à música". Mário, um exemplo de individualista, viveu em luta permanente "contra si próprio e contra a superstição do talento numa terra em que o necessário, o indispensável lhe parecia ser, no terreno da música, a formação da coletividade musical, - coletividade de intérpretes e coletividade de ouvintes". No afã de converter sua terra em padrão civilizatório e artística, Mário de Andrade "gostava de repetir que era um homem feliz. Feliz daquela felicidade em que a própria dor é um elemento dela. Mas houve três anos de sua vida em que essa felicidade como que transbordou. Foi de 1935 a 1938, o tempo em que dirigiu o Departamento de Cultura, ideia de Paulo Duarte, aceita pelo prefeito Fábio Prado e realizada por Mário de Andrade". Quando lhe transmitiu o convite do Prefeito, Paulo Duarte diz que a reação de Mário foi imediata: "Mas isso é felicidade demais!". Dedicou-se, com afinco, numa obra de "espantosa fecundidade: parques infantis, biblioteca infantil, discoteca pública, construção do novo edifício da Biblioteca Municipal, compra de grandes bibliotecas particulares, a de Félix Pacheco e a de Alberto Lamego, o coral paulistano, levantamentos democráticos, restauração de documentos do século XVI, pesquisas folclóricas, museu da palavra, descobertas de velhas relíquias a serem salvas pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, M'Boy, o fortinho de Bertioga, Carapicuiba, e até o sitiozinho de Santo Antonio em São Roque, este comprado por Mário, que ali pretendia descansar de sua carreira de musicólogo, escrevendo o "Na pancada do Ganzá", para o qual recolhera em suas viagens ao Nordeste centenas de temas populares". Mário promoveu o Congresso de Língua Nacional Cantada, fez tanta coisa, que nunca mais as repartições estatais de Cultura, seja no âmbito municipal, seja no estadual, conseguiram alcançar tamanha intensidade e tão frutuosos resultados. O Departamento de Cultura foi vida e morte de Mário de Andrade. Vida durante três anos, agonia e morte nos sete anos que ainda lhe foram reservados a viver. Toda a glória ao imortal Mário de Andrade. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 05 02 2023 voltar |
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