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Acadêmico: José Renato Nalini O Brasil é a república dos embargos, dos agravos, dos recursos inominados. O calvário de quem tem razão. O paraíso dos procrastinadores.
Amargos frutos do turismo jurídico Instaurou-se no Brasil, com aparente definitividade, a cultura do turismo jurídico, na retroalimentação da crescente e poderosa indústria do ensino/aprendizado do direito. Uma República notável por possuir mais Faculdades de Direito do que a soma de todas as demais, distribuídas pelo restante do planeta, precisaria também destacar-se, quanto à exploração de todos os nichos rentáveis das profissões forenses. Quanto à rentabilidade, não resta dúvida. Indague-se, porém: rentável para quem? Compreende-se que se queira incentivar a comercialização de passagens aéreas, pois o setor precisa sobreviver. Assim como prestigiar o mercado da hotelaria, das empresas que organizam eventos, alavancar o turismo das nações que habitam os sonhos tupiniquins. Ornamentar os egos e estimular a tática das homenagens. Também é da natureza humana propiciar aos partícipes a oportunidade de selfies com autoridades do sistema Justiça, a inclusão dos eventos no Currículo-Lattes, o acréscimo reputacional resultante de um convívio - ainda que por alguns dias - com figuras estreladas do Judiciário. Muito bem. Mas o que resulta, na verdade, para o aprimoramento dessa máquina estatal chamada Justiça, que institucionaliza a angústia e a infelicidade do jurisdicionado, à espera de solução definitiva para lides cujo começo todos sabem como ocorre e cujo final é imprevisível? Será que a consciência de magistrados que teriam sob sua responsabilidade a decisão de processos que afligem seres humanos permanece tranquila, enquanto brilham nos banquetes, frequentam restaurantes seis estrelas, vão às compras, capricham em ditos jocosos e se esquecem das agruras nacionais? Apenas por absurdo, pense-se que as viagens-convescote-forense apenas fossem permitidas a quem não tivesse um processo à espera de decisão. Ou de quem dispensasse o auxílio de magistrados convocados - retirados à jurisdição para a qual foram concursados - enquanto atuam nas demandas de quem foi nomeado para proferir a última palavra, e delega a função para jovens menos experientes. Todavia, o importante de fato é refletir sobre o retorno de tais nababescas epopeias para o aprimoramento dessa burocracia emperrada, ao menos para a maior parte dos destinatários que a sustentam. Sim, para alguns temas de repercussão, a resposta é pronta e expedita. Mas isso não inclui os processos tidos como hábeis a uma solução que resolvesse questões consideradas de repercussão geral. Não sobra mais nenhum deles a apreciar, enquanto o relator viaja? Também é de se indagar se os "pedidos de vista" já foram todos devolvidos para o encaminhamento normal da demanda. A inexistência de processos com repercussão geral, a devolução de todos os "pedidos de vista" que interromperam o trâmite normal do feito, a pauta completamente em dia, serviria como excelente resposta para quem não se furta a participar de um seminário, encontro, simpósio, curso, palestra, evento, seja o que for - em solo estrangeiro. O Brasil ganharia muito mais, se em lugar dessas reuniões, das quais pouco de concreto resulta - a não ser os contatos que viabilizam acesso prioritário aos privilegiados interessados em decisões que as podem frequentar - suas autoridades pensassem o que o direito poderia fazer para salvar o país de tantas injustiças. Propor ao Parlamento a verdadeira reforma estrutural da Justiça brasileira, algo que ainda não se fez. Com a unificação do Judiciário - como justificar a existência de duas Justiças Comuns? Apenas para aumentar o número dos conflitos de competência? Para simplificação do caótico sistema recursal, que levou esta nação ao paroxismo surreal de quatro instâncias, além do excessivo número de possibilidades de reapreciação. A república dos embargos, dos agravos, dos recursos inominados. O calvário de quem tem razão. O paraíso dos procrastinadores. Tenho plena consciência de que os partícipes desses encontros, sempre regados daquilo que é o suprassumo da produção etílica, não têm noção dos riscos embutidos. São cercados por aduladores, que rezam discursos tão laudatórios quanto falaciosos. Mas na planície, no reino indisciplinado das redes sociais, a repercussão não os exalta. Assim como as seguidas manifestações de fanáticos, a apuparem os incautos que aceitam discutir o Brasil muito longe dele. Fiadores da Democracia pátria, eminentes e ilustres não precisariam se expor às críticas de brasileiros sérios. Têm talento e erudição, desnecessitam disso. Porém, não lhes faria mal refletirem sobre os reais resultados dessas incursões tão frequentes e se elas não produzem frutos mais amargos do que os sugeridos pelos que as promovem. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão Em 03 02 2023 voltar |
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