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MOSTRAR O FRACASSO
Acadêmico: José Renato Nalini
O que mostrar aos milhares de visitantes que em regra acorrem às COPs? O produto final da ganância ignorante:a beleza é substituída pelo preço.

Mostrar o fracasso

Belém se candidatou a sediar em 2025 a Conferência do Clima da ONU. É a de número 30. Quais as credenciais desse Estado? A condição de maior destruidor de florestas. A partir de 1988, perdeu mais de cento e sessenta e sete mil quilômetros quadrados de floresta. Contribuiu para desmatar trinta e cinco por cento da Amazônia.

Quem quiser ficar ainda mais assustado, tem de ler "Arrabalde", de João Moreira Salles. Para escrever esse livro, ele permaneceu muitos meses no Pará. O Estado campeão do extermínio foi aquele que mais sofreu intervenção do governo federal durante a ditadura, diz o ex-Governador Simão Jatene. Disso resultou a anemia das autoridades locais e a transformação do Pará em "terra de ninguém".

O famigerado Decreto-Lei 1164, de 1971, federalizou cem quilômetros à direita e à esquerda de toda rodovia federal já existente ou só planejada. Isso equivaleu à federalização de mais de setenta por cento do território paraense". Ninguém mais sabia o que era de quem. Por onde é que passavam aqueles duzentos quilômetros em volta de uma estrada que podia nem vir a existir? Estava contratado o caos fundiário que até hoje amaldiçoa o Estado. Além do Incra, outros quatro órgãos outorgavam títulos de propriedade: Getat, Grupo Executivo para a Região do Baixo Amazonas (Gebam), Instituto de Terras do Pará (Iterpa) e Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Não havia coordenação entre eles".

Confusão fundiária e violência, invasão de terras e um só ponto em comum: a devastação desenfreada. De acordo com João Moreira Salles, o ex-Governador Simão Jatene lamenta o fato de o Pará ter sido invadido por quem não conhece a Amazônia: "Até hoje, quando se fala em Amazônia, quase sempre se desconsideram as Amazônias da Amazônia. Tu tens a Amazônia das estradas e a Amazônia dos rios. Aqui no Pará, se tu quiseres floresta, tu tens. Se tu quiseres campos, tu tens. Se tu quiseres mar, tu tens o mar. Se tu quiseres montanha, tu tens a montanha. E aí veio a migração e tentou apagar toda essa diversidade. Os que chegavam tinham outra relação com o território. Eles queriam homogeneizar a Amazônia".

Toda a exuberância de uma cobertura vegetal que levou milênios para se completar, foi destruída para se transformar em poucas coisas: pasto, boi, soja. Para os pecuaristas, a floresta é um estorvo. Não tem Embrapa para a Amazônia. A Embrapa divulga dados polêmicos, no sentido de que as áreas demarcadas, as reservas indígenas, os parques florestais, as áreas de proteção ambiental, tudo somado, é muito mais do que o território brasileiro. Com esse discurso, tão a gosto dos pecuaristas que só conhecem o verde dos dólares, dissemina-se o ódio aos índios, o desrespeito às árvores, a volúpia no extermínio daquilo que homem algum sabe construir.

O que mostrar aos milhares de visitantes que em regra acorrem às COPs? O produto final da ganância ignorante: "a beleza é substituída pelo preço. A floresta vira mercadoria, e barata".

É uma viagem que João Moreira Salles fez e narra, para tristeza de quem o lê: "Sete horas depois de deixar Santarém, chega-se a Itaituba. Sinais de abandono acompanham o viajante por todo o trajeto de 370 quilômetros que separa as duas cidades. Basta tomar qualquer estrada vicinal para vê-los de perto: pontes inacabadas sobre pequenos igarapés, tubulações interrompidas no meio do nada, barracos em ruínas, cercas derrubadas, mourões apodrecidos, currais tombados, porteiras quebradas. Não há vestígios de permanência, de coisa feita para durar".

Ali também o cenário da indigência arquitetônica da terra que já produziu Niemayer, Paulo Mendes da Rocha, Ruy Ohtake e tantos outros. "Entra-se em Itaituba ladeando um grande conjunto habitacional do programa Minha Casa minha Vida: centenas de casas dispostas em fila, umas coladas nas outras e todas viradas para o mesmo lado. Lembram uma tropa de soldados em ordem unida. Afora a monotonia, o que imediatamente chama a atenção é a inexistência de sombra. Não há árvores, apenas concreto, telha, asfalto e poeira. Vistos à distância, os telhados de duas águas vibram no calor da tarde - parecem bater asas, um modo de fugir dali. A Amazônia sem a Amazônia é um lugar irreal".

O Brasil quer assustar os ambientalistas que acorrem às COPs? Ou será que Marina da Silva, em quem tanto se confia, operará o milagre de tornar o Pará algo menos trágico do que hoje? Prosseguirá o espetáculo contínuo da destruição de mata dentro de terras públicas, ou seja: criminosos destroem, impunemente, aquilo que é de todos? Aquilo que é do povo brasileiro, roubado por alguns, que são poucos, mas muito eficientes? Haverá condições de reverter o fracasso ecológico paraense?


Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 02 02 2023



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