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IMPÉRIO À DERIVA
Acadêmico: José Renato Nalini
O transplante da burocracia lusa para o Brasil intensificou a corrupção desbragada.

Império à deriva

O livro do australiano Patrick Wilcken relata a epopeia da viagem da Corte Portuguesa, a fugir dos exércitos napoleônicos, sob o comando de Junot, rumo ao Brasil e sua permanência em nossa terra até 2021. Claude Lévi-Strauss o considerou "uma obra prima, escrita com erudição e grande talento literário. Fascinante!". E fascina, de verdade.

Uma narrativa atraente, gostosa de se ler. Nada a recordar os livros de história, que deveriam seduzir o alunado e, infelizmente, o afastam desse imprescindível conhecimento. A descrição do atropelo da partida, o número imenso de cortesãos e agregados querendo acompanhar a família real, a quantidade enorme de preciosidades que não chegaram a embarcar, tudo isso excita a imaginação.

Os moradores do Rio de Janeiro estavam atônitos. Desde sempre, o encanto pela monarquia, os rapapés, o beija-mão, o servilismo interesseiro. O complexo de vira-lata fez com que as mulheres cariocas passassem a usar o turbante com que desceram as reinóis, pois tiveram de raspar a cabeça em virtude dos piolhos adquiridos durante a viagem.

A influência poderosa da Inglaterra, que exigia do Príncipe Regente uma submissão incondicional, sob argumento da proteção que afastava o temor dos franceses. Enfatiza-se o gênio impulsivo e perverso da Princesa Carlota Joaquina, que cavalgava por toda a cidade e exigia que, à sua passagem, todos se ajoelhassem. Quem o não fizesse era chicoteado por sua guarda.

O transplante da burocracia lusa para o Brasil intensificou a corrupção desbragada. O Império estava à deriva porque a Corte era perdulária e acreditava que o ouro extraído das minas gerais, o pau-brasil e o açúcar fossem recursos infinitos. Um luxo brega era alvo de crítica dos diplomatas de países mais adiantados.

O Banco do Brasil passou a emitir moedas para fazer face à gastança e D. João, que viria a se tornar o Sexto desse nome, quando da morte de sua mãe, a Rainha louca, Maria Primeira, hipotecou toda a futura renda do Vice-Reino para continuar a exibir uma realidade falaciosa.

Verdade que a ele se deve a criação do Jardim Botânico e o plantio da primeira palmeira imperial. Era constante a sua visita ao local, inteirando-se das experiências, acompanhando o desenvolvimento de espécimes que mandava colher nas florestas e trazer do exterior.

A princesa Carlota Joaquina praticamente não convivia com o marido, a quem desprezava. Queria ser a rainha da Espanha e envolveu estrangeiros em várias estratégias que resultaram em nada.

Verifica-se que o hábito da mentira ou da dissimulação, utilizado para a obtenção de finalidades de interesse do Reino era praticado com frequência exitosa no século XIX. Assim foi a cooptação da Corte dos Habsburgo, com o objetivo de viabilizar o casamento da Princesa Maria Leopoldina, filha do Imperador da Áustria, Francisco I, com o príncipe Pedro. A viagem precursora do Marquês de Marialva à Casa Imperial austríaca foi nababesca. Pedras preciosas, lingotes de ouro, foram obsequiados com generosidade para integrantes do governo que poderiam influenciar a jovem princesa a viajar ao Brasil sem sequer conhecer o noivo.

Era sonhadora, gostava de ciências e de biologia, encantou-se com o retrato de Pedro, emoldurado por diamantes maiores do que os que seu pai, o Imperador, possuía à época. Ela sabia que nunca mais voltaria à Europa. Aqui morreu, nas circunstâncias que todos conhecemos.

O arremedo de sofisticação da Casa de Bragança no Brasil era considerado ridículo pelos estrangeiros civilizados que tiveram contato com o exotismo vetusto e superado. Algo que permanece até hoje, no rococó das cerimônias solenes, no inexplicável uso de vestimentas impróprias para os trópicos, na excessiva adjetivação dos discursos, na preservação de um formalismo tolo, para substituir a carência de substância dos personagens.

Dom João VI prodigalizou também os títulos nobiliárquicos para uma elite inculta, caipira e medíocre. Em compensação, o neto, o injustiçado Pedro II, era um estadista com atributos que nunca mais surgiram na tosca experiência republicana que começou com o golpe de 1889 e que, de acordo com os mais austeros, capenga até nossos dias.

Quem se disporia a escrever o livro "República à deriva?".

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
Em 28 01 2023



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