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LIVRAR-SE DESTA PECHA
Acadêmico: José Renato Nalini
Precisamos de jovens que acreditem em sua capacidade de transformar a face da Terra e queiram fazer do Brasil aquele espaço com que sonhamos.

Livrar-se desta pecha

Para ingressar no século 21, o Brasil precisa se libertar de vários preconceitos. É fácil compreender porque nos consideramos inferiores, em comparação com o padrão europeu.

Fomos colonizados pelos portugueses. Durante três séculos, o Brasil foi uma colônia da qual tudo se extraía, nada nela se investia. Degredados e criminosos eram os portugueses que aqui chegavam para ficar.

Foi preciso que Napoleão mandasse Junot invadir Lisboa, para que o indeciso Príncipe Regente João zarpasse com a família real e mais dez mil agregados para a Colônia.

Os portugueses não gostavam do Brasil. E o Brasil passou a detestar os "invasores". As melhores residências do Rio eram requisitadas para receber os lusos e, quando estes foram embora, não devolviam os imóveis ocupados. Chegavam a vendê-los ou a alugá-los.

Ao se analisar a correspondência de quem aqui veio por força do medo - as tropas francesas - vê-se o forte preconceito em relação aos habitantes locais. Eram considerados indolentes, nada confiáveis e corruptos.

A Princesa Carlota Joaquina fez de tudo para voltar à Europa, mais precisamente a Espanha. Quis se tornar a soberana e foi beneficiada com a revogação da Lei Sálica, a impedir que mulheres entrassem na sucessão. Mas com a elevação do Brasil a Vice-Reino, em igualdade de condições jurídicas com Portugal e Algarve, ela se viu impedida. O que não mudou, mas até intensificou o seu ódio em relação ao Brasil.

A Inglaterra mandou no país enquanto o Príncipe-Regente João, que depois se tornou Dom João VI, com a morte de sua mãe, D. Maria I, permaneceu no Brasil. A vassalagem era flagrante. Período em que se nutriu hostilidade quanto aos franceses.

Duas observações podem ajudar a fazer uma análise do perfil do brasileiro no século XIX. A volúpia pelo beija-mão, treinou os nacionais ao culto do personalismo, quase concretização da teoria do direito divino do monarca. Agradar ao soberano era o hobby tupiniquim.

O complexo de inferioridade fazia com que os brasileiros copiassem tudo o que se produzia e se usava na Europa. Daí o consumo inexplicável de objetos desnecessários ao clima brasileiro, como patins para esquiar no gelo, aquecedores para o inverno do velho continente, tudo comercializado pelos ingleses que passaram a dominar o comércio no Rio, a partir de 1808.

As mulheres do Brasil começaram a copiar a moda portuguesa, passando a usar espartilhos, os homens a se vestir como os europeus, inclusive as cabeleiras. Uma ignorância o desprezo ao clima tropical que é uma de nossas vantagens gratuitas.

O amor ao luxo, às pompas e à riqueza, fez com que centenas de milhares de nacionais fossem às minas, em busca de ouro. Esse era o garimpo artesanal, enquanto que a extração intensa, a partir do século XVII, sustentava a nababesca vida cortesã da metrópole, que construía o Palácio de Mafra e outros templos cobertos do valiosíssimo metal.

A burocracia lusa foi transplantada para o Rio de Janeiro com seus hábitos, seus vícios e seus malfeitos. Começou então o uso das "taxas de urgência", das propinas e dos "por fora". O relato de diplomatas estrangeiros que vieram ao Brasil a partir da chegada da família real dá conta do perverso funcionamento da máquina estatal, azeitada com verbas ilícitas.

A cultura brasileira apreendeu bastante dessa realidade. É o que justifica o complexo de "vira-lata", a louvação contínua à autoridade, como se ela fora enviada por Deus para gerir os negócios de interesse da população.

O que fazer para se livrar desse insuportável peso?

Investir em educação de qualidade. Nossa educação está defasada. Prioriza a memorização de informações que podem ser obtidas instantaneamente, com um "clique", nos aplicativos de busca das redes sociais. Negligencia-se o ensino/aprendizado das aptidões socioemocionais, aquilo que não é objeto da atenção dos docentes, mas que significa muito mais do que decorar dados. Empatia, capacidade de comunicação, noções de ética prática, habilidade para se adaptar ao inesperado, é disso que as novas gerações brasileiras necessitam, para ter orgulho desta terra.

Precisamos de jovens que acreditem em sua capacidade de transformar a face da Terra e queiram fazer do Brasil atual, que às vezes nos desencanta, aquele espaço com que sonhamos e que temos direito a aspirar, desde que nos esforcemos para concretizá-lo.

Livremo-nos da pecha de indolentes, de corruptos, de incompetentes. Somos muito melhores do que isso. Acreditemos em nós na capacidade de traçar o próprio destino.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 26 01 2023



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