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POR QUE GADO A GENTE MARCA...
Acadêmico: José Renato Nalini
O Brasil, aos olhos do mundo, lembra enorme curral. Temos mais cabeças de gado do que humanos.

Por que gado a gente marca...

...tange e ferra, engorda e mata! Mas com gente é diferente! Quem não se lembra da "Disparada" que Jair Rodrigues interpretava com tanto fervor? Pois o Brasil, aos olhos do mundo, lembra enorme curral. Temos mais cabeças de gado do que humanos. O rebanho bovino brasileiro alcançou, em 2021, 224,6 milhões de animais, abrigados em cerca de 1,5 milhões de estabelecimentos pecuários. Quase metade do gado está na Amazônia Legal, de acordo com o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Os pecuaristas ainda não se convenceram de que a região não é própria para a criação do gado. Isso porque os animais engordam na estação chuvosa e emagrecem rapidamente na estação seca. Isso traz evidentes prejuízos para os criadores. Além da magreza, a carne do gado que enfrentou a seca perde a maciez e fica muito dura. Diz-se que até intragável. E isso não satisfaz o comprador. Pois criamos para alimentar o estrangeiro.

A informação não é "achismo". Faz parte de um estudo da Universidade de Illinois, EUA, assinado pela pesquisadora Marin Skidmore. Ela constatou que as consequências para o produtor ficaram mais dramáticas e custosas, na proporção das secas que assolaram a Amazônia Legal nos últimos anos.

Queiram ou não admitir os céticos e os adoradores do deus-dinheiro, o aquecimento global gera alterações climáticas gravosas. Os animais foram expostos à fome, à sede e ao calor. E Skidmore não foi leviana em seu estudo. Analisou quatro milhões de transações comerciais de gado realizadas em cento e setenta e duas mil fazendas de Rondônia e comparou com as variações climáticas durante o período de dez anos. Entrevistou, também, dezenas de pecuaristas da região. Os dados constam do Guia de Transporte Animal e satélites do Climate Hazards Center, dos Estados Unidos.

Muitos criadores preferem terceirizar a engorda no período das secas, vendendo o gado para quem tiver condições de confinar ou mantê-lo em pastagens recuperadas. Mas quando a temperatura sobe muito, eles vendem diretamente para o abate.

O pior - e quem quer dinheiro rapidamente, os imediatistas não querem enxergar o cenário - é que as secas se tornarão mais frequentes. O Brasil enfrentará secas extremas e o efeito será sentido no preço mundial da carne. Embora o maior exportador de gado - cerca de um quarto de todas as exportações globais - e detentor de dezesseis por cento da quantidade bovina do planeta, o Brasil não tem levado a sério as advertências da natureza. O gado representa 7 do PIB tupiniquim e as secas não prejudicam apenas essa cultura. Causam danos também para a soja. A safra de 2021/2022 suportou prejuízo de cerca de noventa bilhões de reais, em apenas três estados, segundo a Embrapa soja - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuário.

A estação seca tem aumentado em até cinco semanas na região amazônica, a contar de 1979. As temperaturas estão cada vez mais elevadas, aumento de dois a três graus centígrados e as chuvas diminuíram trinta por cento. Sensação preocupante, que parece não impactar os planos dos pecuaristas.

A mudança climática tem como principal agente o desmatamento. E não é preciso reforçar a constatação que o mundo inteiro já fez, de que a Amazônia tem sido sistematicamente exterminada nos últimos anos. Mais de quarenta por cento da mata já foi destruída na parte sul da região, onde se concentra a maior quantidade de gado.

Os cientistas sabem que o desmatamento gera deformação do ciclo de água na Amazônia. Antigamente, na estação seca, a floresta garantia as chuvas mediante acesso das águas acumuladas na estação chuvosa. As raízes profundas devolviam umidade à atmosfera. Isso desapareceu quando surgiram grandes áreas de pastagem. As gramíneas têm raízes muito inferiores a um metro, diversamente das grandes árvores.

A pecuária é responsável pelo maior desmatamento da Amazônia: chega a oitenta por cento da área exterminada. Até quando isso persistirá? Até o ponto em que a pecuária já não for rentável. Não haverá mais bovinos para marcar, ferrar, engordar e matar. O que virá em seguida?

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 21 01 2023



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