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Acadêmico: José de Souza Martins Quando se fala em exclusão social no Brasil, não se fala na ocultação e na negação da função social do estético.
As ocorrências extralegais e paralelas no próprio dia da posse do novo Presidente da República e a baderna insurrecional da invasão de Brasília e dos edifícios dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro, em seus desdobramentos e consequências, fazem revelações sociológica e politicamente decisivas para conhecer os inimigos da democracia e do país. Revelam não só o conjunto de uma trama golpista, mas principalmente a estrutura social do movimento e a diferença entre agitadores, protagonistas, promotores e protetores, vários deles secretos. Não se trata de acaso, mas de poder paralelo e organizado. A identificação dos presos em Brasília, no dia 8, faz revelações da maior importância para definir e compreender o perfil social dos envolvidos. É gente de baixa classe média, não só pelos recursos minguados da maioria visível, mas também pela ignorância sobejamente, demonstrada no ataque aos palácios como se fosse ataque ao novo governo. Governo não é um prédio nem uma parede, assim como democracia não é baderna. A diferença e o poder da ignorância ficam claros na mutilação e na destruição de obras de arte, como a bela e significativa tela de Di Cavalcanti, perfurada em vários pontos. Foram interpretadas como trastes de luxo, extensões de pisos e paredes, tocadas, examinadas e jogadas no chão. E tratadas como lixo. Os autores não viam nelas utilidade, categoria central da mentalidade dos toscos. Quando se fala em exclusão social no Brasil, não se fala na ocultação e na negação da função social do estético. Mas exclusão é privação social da dimensão monumental do humano, o humano e a humanização possíveis na mediação da obra de arte. Oferecer aos pobres, aos simples, aos ignorantes a mera alternativa funcional da utilidade das coisas é privá-los do que torna social a sociedade. É necessário entender como os invasores e os depredadores interpretaram o que é um palácio e nele móveis e adornos com eles conexos na significação e no estilo, os recintos do poder como monumentos e como obras de arte que lhes dão sentido enquanto expressões da civilização. Uma qualidade social e histórica que os quartéis não tem, a multidão a se comportar e não desmentida como serviçal da caserna. Não se trata de luxo nem de ostentação mas do caráter pedagógico do monumental, da representação artística da realidade como mediação da consciência social, como contraponto crítico da brutalidade da desigualdade, a da vida reduzida ao prato de comida. A barbárie documentou a dimensão simbólica do divórcio entre o poder e o povo. Nesse sentido, um certo fracasso da política e dos partidos políticos. E uma vitória dos que à margem da lei manipularam a turba ignara para demolir o Estado e torná-lo vulnerável a um poder invisível. Para subjugar o poder legítimo em favor dos propósitos inconfessáveis de minorias antissociais, infiltradas de delinquentes como os dados mostram. Mas também um grande fracasso da educação brasileira. Pelos que subestimam as funções ressocializadoras da escola e do ensino, os valores do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932. A literatura e especialmente a arte tratadas como superficialidades e desnecessidades. Coisas da elite, expressões da ociosidade. Negação dos méritos utilitários dos produtos do trabalho, o dos condenados a conceber a educação na perspectiva do suficiente para reproduzir a força de trabalho. A honradez da produção de utilidades. O senso comum pobre, expressão de falsa consciência e de autoengano, negação do cidadão e afirmação do indivíduo anônimo e irrelevante, facilita cada vez mais a transformação do Brasil numa sociedade de ajuntamentos e multidões. A violência do justiçamento nos linchamentos, de que o Brasil tornou-se campeão mundial, indica o ímpeto de redefinição do que é justiça, a eliminação do outro como princípio de organização social. A intolerância e o ódio como fundamento de uma concepção delinquente de poder, a do golpe. O mesmo princípio esteve presente nas manifestações de Brasília e nos acampamentos de porta de quartel. A busca de abrigo sob as asas das forças armadas, que não hesitaram em dá-lo. Na prática o desapreço pelas instituições, a turba ignorante fazendo o papel sujo de minar a democracia para fragilizá-la e reduzir o Brasil à subalternidade de quartel. O poder aparente e ilusório dos “laranjas”. A multidão assim motivada é o sujeito social da loucura coletiva, como mostrou Gustavo Le Bon em seu estudo clássico sobre o tema. A agitação direitista transformou o Brasil num perigoso manicômio, intencionalmente produzido para favorecer a sobrevivência e consolidação da tirania derrubada pelo voto democrático de 2022. Publicado em Eu& Fim de Semana, jornal Valor Econômico, Ano 23, nº 1.142, São Paulo, 20 de janeiro de 2023, p. 4. voltar |
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