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Acadêmico: Gabriel Chalita Fui visitar meu compadre Jorge. Falamos das insanidades. Dos que lideram pelo ódio e que autorizam os ódios acumulados
O filho do Jorge, meu vizinho, é cheio de certezas. Está preso agora. Foi na tal invasão dos Três Poderes em Brasília. Eu fiz o que pude. Falei do meu jeito. Desacreditei de tanta invencionice em cabeça de tão pouco pensamento. O pai perdeu a paciência com o filho. Faz silêncio quando ouve absurdos. Eu tentei. Era um domingo, como hoje, e almoçávamos falando dos compositores de antigamente do tão rico Brasil. O filho enfureceu, disse que, enquanto corríamos riscos da volta do comunismo, ficávamos falando de Cartola e de Noel Rosa. A mulher de Jorge, mãe do menino das certezas, tentou amenizar dizendo que preferia não falar de política. O filho aumentou o volume. Eu entrei na conversa, então. Eu que sou padrinho do menino. Que o conheço desde sempre. Pedi que alguma explicação me fosse dada sobre o comunismo, já que sei nada de política. O menino disse que o comunismo traria o aborto. Eu fiz cara de não entender a relação. Ele falou das perseguições contra a liberdade. Que bastava eu estudar a Venezuela. Eu, que sou contra o aborto, quis saber se na Venezuela era permitido. Ele disse que pouco importava. Que o problema estava em ser contra Deus. E que, por isso, a eleição foi fraudada. Perguntei de qual eleição ele falava. Ele se irritou me sentindo irônico. Eu mudei de assunto e falei da cena bela de um papa celebrando as exéquias de um outro papa. Ele gritou dizendo que o papa era comunista. E que tinha relações com os russos. A mãe, zelosa do bem do filho, falou das armas que o menino havia comprado. Que não entendia tamanho fascínio. Que melhor seria que comprasse livros. O menino se irritou e disse que não era “viado”. Perguntei a relação dos livros com ser ou não ser viado. Então, ele falou da corrupção que os comunistas defendem. E que a bandeira dele era verde e amarela. O pai, meu amigo Jorge, mostrou o desgosto. Falou da agressão do filho a uma mulher que estava com uma camiseta vermelha. Falou do filho abrindo a janela do carro e xingando dois homens que caminhavam de mãos dadas. "Onde foi que eu errei?", disse Jorge. “O menino quase morreu de COVID e prossegue sem se vacinar”. Os dois filhos mais novos não falam com o irmão. Os cansaços exigem alguma distância. E ele, então, foi a Brasília. E convocou quem pôde. E avisou que mataria quem aparecesse na frente. E publicou a facada no Di Cavalcanti. E gritou pedindo a ditadura em nome da liberdade. Fui visitar meu compadre Jorge. Falamos das insanidades. Dos que lideram pelo ódio e que autorizam os ódios acumulados. Acumulados, inclusive, por mentiras alimentadoras de ignorância. Compadre e eu votamos em candidatos diferentes. E não é a primeira vez. Mas isso jamais significou separação, nem destruição do que é sagrado na nossa longeva amizade, o respeito. A namorada do filho do Jorge não foi com ele. Também cansou. Teve que tomar vacina escondida. O melhor amigo do filho do Jorge ouve Deus dizendo que ele tem que lutar e acabar com a pouca vergonha. Eu, ressabiado que sou, prefiro os que falam com Deus. Ouvir Deus tão claramente, palavra por palavra, acho um pouco demais. Tem um empresário na cidade que dá dinheiro para eles todos lutarem contra o comunismo. Esse não foi a Brasília. E nem está preso. Será que Deus mandou ele ficar em casa? O filho do Jorge se perdeu, só sonho que se encontre. Ainda é cedo na vida dele. Sou dos acreditam que os sonâmbulos podem acordar. E que os acordados podem estender as mãos para, humildemente, ajudar. Publicado no site do jornal O Dia, 15 de janeiro de 2023. voltar |
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