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O FUTURO POLÍTICO BRASILEIRO
Acadêmico: José Renato Nalini
Não existe uma ciência do porvir. O que ocorre é o exercício da futurologia, uma palavra cômoda para designar o conjunto de atividades previsoras.

O futuro político brasileiro

Quem ousaria prever o que acontecerá no Brasil nos próximos anos? A arte da previsão do porvir é uma obsessão para os humanos, que têm por certo - ao menos em tese - o seu passado. São os economistas os que mais arriscam a se aventurar nessa área. O autor H. Theil, em "Economic Forecasts and Policy", publicado em Amsterdam, em 1961, fala bastante em predição, definindo-a como "uma afirmação referente a acontecimentos desconhecidos e, em particular, a acontecimentos futuros".

Na verdade, não existe uma ciência do porvir. O que ocorre é o exercício da futurologia, uma palavra cômoda para designar o conjunto de atividades previsoras. O verbete "futurologia" foi proposto por Ossip K. Flechtheim em 1949, com a perigosa afirmação de que se tratava de uma "ciência nova". Mais adequado falar-se em "conjectura", contraposta ao termo "conhecimento". Foi Jacques Bernoulli, no seu clássico livro "Ars Conjectandi", que enfatizou a oposição: "A respeito das coisas certas e induvidáveis, se fala de "saber" ou de "compreender"; quanto às demais, de "conjecturar", que equivale a "opinar".

A arte de conjecturar foi definida por Bernouilli como a de avaliar o mais exatamente possível as probabilidades das coisas, para que possamos sempre, em nossos juízos e em nossas ações, orientar-nos a respeito do que se haja encontrado como melhor, mais apropriado, mais seguro, mais oportuno; o que constitui o exclusivo objeto da sabedoria do filósofo e da prudência do político. O autor, cuja obra só foi publicada após sua morte e no ano de 1713, chamava a arte de conjecturar de "estocástica".

Conjecturas não deixam de ser "achismos", ainda que amparados em elementos tendentes a persuadir o destinatário quanto à confiabilidade da previsão. Mas é impossível acertar, o que ocorre por mero acaso, quando a conjectura se concretiza.

Um exemplo serve a evidenciar a complexidade da empreitada. Em 1932, simultaneamente, duas grandes nações industriais enfrentavam grave crise econômica. Um terço de seus trabalhadores estava desempregado, principalmente os mais jovens.

A situação social era intolerável e condenava os governos incapazes de resolver a verdadeira tragédia. A população exigia profunda mudança estrutural, a começar pela política. A necessidade social impôs drástica alteração da política. Não era fácil implementá-la, pois havia os que lucravam com a crise, os que se opunham por má vontade, mas também os que, por legítimas convicções, notadamente entre os dirigentes políticos, os potentados econômicos e na burocracia, representavam ideias ortodoxas produzidas em conceituados círculos acadêmicos.

O quadro reclamava pessoa nova e herética, impulsionado por intenção desprovida de doutrina. Reforçou-se o executivo em ambos os países. Aí surgem Roosevelt e Hitler. Origem comum, portanto. Mas porque em 1933, a Alemanha produz Adolf Hitler e os Estados Unidos Theodor Roosevelt? Comparemo-los: um deles pertencia a uma família patrícia e consular, fundadora da nação, rica e ilustre. O outro era um qualquer - homo novissimus - que nem sequer nascera no país. O primeiro recebera a educação mais aprimorada, o segundo era um autodidata.

Isso mostra que a situação econômica de um país não é bastante para produzir uma predição política. Seria perigoso acreditar que aquilo que se apresentará na ordem política será o que responde às necessidades da economia social. Como explicar o antisemitismo, que em nada respondia às necessidades sociais da Alemanha em crise econômica? Sem esse frenesi antisemita, a Alemanha talvez não entrasse em guerra com os Estados Unidos e talvez fosse o primeiro país a produzir a bomba atômica.

A política tem razões irracionais. São razões diferentes daquelas que a economia social conhece. Quem desconhece tal característica ou não a leva na devida consideração, se entrega a graves erros de juízo e de previsão. Por isso é que a previsão política exige amplo grau de autonomia intelectual. Como justificar o ressurgimento da extrema direita em tantas ditas democracias, simultaneamente ao incrível avanço da ciência e da tecnologia?

Parece que a política é capaz de fazer muito mal ao ser humano. Por isso, eles deveriam banir a política, o que só é possível em sociedades microscópicas e primitivas, também chamadas "acéfalas". Não é o nosso caso. Por isso, arrisque-se quem quiser, a prever o futuro político de uma República Federativa chamada Brasil. Para começar, coteje as previsões de vinte anos atrás com o que aconteceu nestas últimas duas décadas. E procure não se surpreender.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
Em 11 01 2023



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