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BOLSA VERDE PRECISA SEDUZIR
Acadêmico: José Renato Nalini
O ambientalismo saudável espera o "revogaço" e a adoção de medidas concretas para a restauração da mata.

Bolsa verde precisa seduzir

Noticiou-se que um programa do Ministério do Meio Ambiente ressuscitado neste governo pagará trezentos reais por trimestre a famílias que vivem na extrema pobreza em áreas de preservação. Para isso, reservou-se a quantia de duzentos milhões de reais.

A ideia é boa. A concretização nem tanto. O estágio de penúria de áreas que tiveram densa cobertura vegetal e hoje são terrenos chacinados pela ganância cruel e criminosa, deveria encetar um plano mais audacioso e consistente. Cem reais por mês é pouco para convencer as famílias carentes a uma atitude preservacionista.

Melhor seria formar contingentes de restauradores. Algo que a Inteligência Artificial ainda não é capaz de fazer é recolher sementes, semeá-las, acompanhar a germinação, cuidar delas para que se desenvolvam, depois devolver à terra arrasada mudas viáveis. A carência brasileira é de um bilhão de árvores, dentro do trilhão de que o planeta necessita para voltar à quantidade necessária à reversão do caos resultante do aquecimento global.

Não é difícil conciliar essa política estatal com a intensificação do turismo, pois principalmente nas economias mais desenvolvidas há também consciências mais apuradas, que se emocionam com a exuberante biodiversidade brasileira e pagariam para conhecê-la melhor. A indústria do turismo é aquela que pode ajudar a alavancar a carência de empregos e trazer, como subproduto, dinheiro estrangeiro de quem se aventurar por esta terra ainda incógnita para três quartas-partes do planeta. Para isso, é também urgente investir em segurança, pois os crimes perpetrados contra turistas desalentam os corajosos interessados em percorrer esta nação continental e explorar seus meandros geográficos tão fascinantes.

Verdade que falta audácia aos governos. Todos eles têm noção da gravidade da situação mundial. Sofrem as consequências das inundações e secas, dos deslizamentos que causam morte e destruição de moradias, normalmente as dos mais pobres. Ainda assim, só assumem a preservação de 30 da biodiversidade do planeta. Ou seja: condenam à extinção 70 dela.

O acordo firmado pelos membros do Convênio sobre Diversidade Biológica partiu de iniciativa chinesa. Foram discussões ácidas e difíceis. Houve oposição do Congo e todos os outros países acordaram em proteger terras e oceanos, para evitar a extinção de espécies por causa da intensa poluição. O acordo prevê a liberação de trinta bilhões de dólares anuais para que a promessa não fique exatamente como aquela de ajuda aos países pobres vítimas do aquecimento global.

O grande problema dessas reuniões, que são - paradoxalmente - geradoras de emissões concentradas dos gases do efeito-estufa, é que tudo fica na conversa. O bicho-homem é bom para falar e prometer. Miserável no cumprimento das promessas e na conversão da fala em ação.

Haja visto que o acordo anterior, firmado no Japão em 2010, foi inócuo. Não produziu qualquer resultado. Faltam mecanismos de vigilância, fiscalização e obrigatoriedade no cumprimento das propostas aprovadas em redundantes proclamações.

Embora haja quem celebre o fato de ter sido possível assinar um texto, com duzentos países, porque algumas espécies não se extinguirão já, mas num futuro a médio prazo, é temerário comemorar. Embora alces, tartarugas marinhas, papagaios, rinocerontes e samambaias raras estejam com um futuro menos pavoroso, a advertência de Bert Wander, da ONG Avaaz é de ser levada a sério. Para ela, os governos deveriam ouvir o que a ciência diz e aumentar rapidamente suas ambições para proteger metade da Terra (não apenas trinta por cento) até 2030.

Os cientistas não cansam de alertar: está chegando o ponto de inviabilidade na reversão do panorama. Quase 80 dos ecossistemas já foram deteriorados por força da atividade humana. Mais de um milhão de espécies encontram-se próximas à extinção.

O Brasil tem uma dívida universal para com a população terrestre. Os últimos quatro anos foram de barbárie. Desmanche das estruturas protetivas lenta e gradualmente edificadas ao longo de décadas. Houve liberação e soltura de uma violenta "boiada" que sacrificou o verde, invadiu reservas e demarcações, incluiu o país na criminalidade organizada dos minérios, principalmente ouro. Tanto que o Brasil passou a ser o mais ultrajado "Pária Ambiental", para orgulho dos energúmenos.

O ambientalismo saudável espera o "revogaço" e a adoção de medidas concretas para a restauração da mata, o mínimo que se pode fazer para mostrar ao mundo que o tempo do extermínio ficou no passado.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
Em 06 01 2023



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