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JOSEPH RATZINGER (1927-2022)
Acadêmico: José Renato Nalini
Sua presença continuará conosco, porque sua contribuição para a elevação do pensamento universal é permanente e atemporal.

Joseph Ratzinger (1927-2022)

Muito ainda se escreverá sobre o Papa Emérito Bento XVI, falecido no último dia trinta de dezembro. O respeitado filósofo alemão deixou obra densa. Era prestigiado como intelectual muito antes de ser eleito o Sumo Pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana. Seu pontificado foi relativamente curto: oito anos. Renunciou em 2013, alegando motivos de saúde. Os teóricos da conspiração acreditam em "forças ocultas" que o levaram a isso.

Passou a uma vida de recolhimento como Papa Emérito. Havia seiscentos anos um Papa não entregava o cetro a seu sucessor. A regra era a substituição por morte.

Muito haverá a ser dito sobre a obra filosófica de Joseph Ratzinger. Sua tese sobre Santo Agostinho é comparada à de Hannah Arendt e foi analisada por muitos pensadores, inclusive Leandro Karnal. Suas lições são profundas e perenes. Mas o que me leva a falar sobre ele é algo muito pessoal e significativo para pequeno grupo de pessoas.

Quando Ratzinger visitou o Brasil e se hospedou no Mosteiro de São Bento, a Academia Paulista de Letras foi alertada por Crodowaldo Pavan de que o Papa levava muito a sério a existência e funcionamento das Academias. Pavan, embora agnóstico, era membro da Academia Vaticana para Ciência e Arte. Um grupo seletíssimo de intelectuais convidados a expor suas ideias, sem qualquer vinculação com a doutrina da Santa Madre Igreja.

Por iniciativa de Ives Gandra da Silva Martins, inconteste liderança católica, pensou-se em tornar o Papa Bento XVI um "Acadêmico Honorário" da Academia Paulista de Letras.

Excelente ideia, mas de difícil concretização. Além de Chefe Supremo de uma religião cristã com dois mil anos de existência sobre a face da Terra, o Sumo Pontífice é chefe de um Estado: o Vaticano. Como convencer a burocracia diplomática a fazê-lo aceitar uma honraria conferida por uma Instituição centenária, mas muito distante dos milênios que solidificam a Cristandade.

Crodowaldo Pavan comunicou-se com a Pontifícia Academia Vaticana e seus agentes operacionais consultaram o Papa. E ele aceitou tornar-se "Acadêmico Honorário da Academia Paulista de Letras".

Confeccionou-se um belo diploma em pergaminho, escrito em latim em letras góticas. Seria possível entregar pessoalmente a distinção?

O próprio Papa incluiu a outorga num de seus compromissos oficiais, no Mosteiro de São Bento. Entre excitados pelo entusiasmo do contato pessoal e o receio de estar junto a uma personalidade caracterizada pela sua austeridade - quando eleito, era chamado pela mídia mundial "o rottweiler de Deus"! - enfrentamos o embate.

Crodowaldo Pavan, o artífice dessa ousadia, Ives Gandra da Silva Martins, o representante mais credenciado a se apresentar perante o chefe da Igreja que ele tanto defende e pela qual milita e o transitório presidente da Academia Paulista de Letras, este que vos fala, tiveram o seu encontro com Joseph Ratzinger.

Quão diferente a pessoa que nos recebeu, daquela figura construída pela propaganda. Um idoso afável, acolhedor, mais do que simpático, paternal e terno. Entregamos o diploma: ele exclamava, seguidas vezes: "Ma che onore!" Sará un onore avere questa responsabilità".

Enquanto pronunciava palavras que eram verdadeira música celestial para nossos ouvidos, um a um, segurava nossas mãos com ambas as dele e, impedindo que beijássemos as suas, encostou as faces às nossas. Um carinho que encantou ao trio.

Nesse dia, ele também recebeu outro acadêmico da APL: Antonio Ermírio de Moraes, que já se encontrava enfermo e que passara por irreparável perda familiar.

Um privilégio inesquecível. O fotógrafo da Santa Sé registrou o momento em várias poses. Uma delas se tornou um quadro que está na sede da Academia, no Largo do Arouche.

Essa a recordação muito pessoal, muito íntima, que guardo de Bento XVI, o filósofo que já se eternizara pela consistência e solidez de seu pensamento, mas que se mostrou um ser humano doce, carinhoso, capaz de vivenciar - coerentemente - o seu significado de amor. Pois são dele estas inspiradoras palavras: "O amor supera a justiça. Justiça é dar ao outro o que é dele. Amor é dar ao outro o que é meu".

Descanse em paz, Bento XVI. Sua presença continuará conosco, porque sua contribuição para a elevação do pensamento universal é permanente e atemporal.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
em 01 01 2023



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