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MUITAS VIDAS EM UMA SÓ
Acadêmico: José Renato Nalini
José Bonifácio viveu "muitas vidas" durante sua profícua existência.

Muitas vidas em uma só

Esse o título de um pequeno livro que perpetrei, para abrir a Coleção Academia Paulista de Letras com biografias de seus patronos e acadêmicos fundadores e posteriores. Belíssima intenção, interrompida com a incorporação da IMESP - Imprensa Oficial do Estado de São Paulo à PRODESP. Mas a coleção continuará, seja como for.

Comecei a pesquisar sobre o Patriarca da Independência porque ele é o Patrono da Cadeira 40 da APL, que foi ocupada por décadas por um conterrâneo: José Feliciano de Oliveira. O professor jundiaiense que residiu durante quarenta anos em Paris, era uma personalidade interessante e instigante. Já escrevi sua biografia, ainda não publicada pela vicissitude governamental mencionada acima.

Todavia, continuo a encontrar curiosidades sobre José Bonifácio, a comprovação de que ele viveu "muitas vidas" durante sua profícua existência. Ao reler "Amor a Roma", de Afonso Arinos, encontrei algo que ainda não sabia. E quanta coisa mais ainda descobrirei?

Antonio Cândido, em "Formação da Literatura Brasileira", já assinalara que José Bonifácio colaborou com a redação do poema satírico "O Reino da Estupidez". Foi a resposta ao movimento conhecido como "Viradeira", da Raínha D. Maria, que golpeou a Universidade de Coimbra em 1779, com restrição à atividade intelectual, resíduo da influência do Marquês de Pombal.

O fato deflagrador da escrita de "O Reino da Estupidez", foi o episódio que atingiu o estudante brasileiro Francisco de Melo Franco. Ele era natural de Paracatu, Minas Gerais, nascido em 1757. Fez o curso de humanidades no Seminário São Joaquim, no Rio e, em seguida, foi para Coimbra, onde começou a estudar medicina. Em 1781, foi condenado pela Inquisição. Foi acusado de naturalismo e dogmatismo e negação de alguns sacramentos, além da leitura de hereges, como Voltaire e Rousseau.

Não chegou a ser lançado à fogueira, mas foi despojado de seus bens e recolhido ao convento de Rilhafoles, à disposição dos inquisidores. Ficou preso durante quatro anos e, ao deixar a prisão, escreveu o seu panfleto poético contra a Universidade, e contou com a colaboração de seu amigo íntimo, José Bonifácio de Andrada e Silva.

A publicação causou escândalo em virtude da violenta crítica à Universidade e a autoria do poema ficou em segredo. Foi atribuído a inúmeros intelectuais. Só em 1831, depois da morte de Melo Franco, que se tornou médico da Rainha D. Maria, a mesma que o fizera condenar, desvendou-se a autoria do estudante mineiro e a parceria do estudante paulista José Bonifácio.

Ainda hoje se encontra no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o manuscrito de uma biografia de Francisco de Melo Franco, escrito em 1851, por uma pessoa que o conheceu bem e que dele ouviu os fatos de sua vida. Consta desse texto que Melo Franco, durante a ausência de José Bonifácio em estudos pela Europa - esteve em várias Universidades Alemãs e da Escandinávia - sustentava-lhe a esposa.

Também José Honório Rodrigues, no livro "Independência: Revolução e Contra-Revolução", publicou o depoimento de um estudante processado pela Inquisição que, ao se referir ao bacharel José Bonifácio, afirma que ele vivia, em Lisboa, na casa do médico Francisco de Melo Franco.

Consta que o poema "O Reino da Estupidez", foi inspirado ou até imitado do poeta inglês Alexander Pope. Além de servir para condenar o retorno ao regime restritivo pombalino, ele evidencia a marcha contraditória daquele falacioso iluminismo.

Ainda bem que, a despeito do obscurantismo que se quer imprimir a qualquer Universidade, o universitário se compenetra de que aquele é o espaço ideal para a pesquisa permanente em busca da verdade. Sem qualquer freio, sem qualquer inibição.

José Bonifácio, então jovem curioso em relação a todas as ciências, ledor de tudo o que lhe caísse às mãos, ávido por melhorar o mundo em que vivia. Preparou-se, portanto, para o importante papel que veio a exercer no Brasil. Em Portugal, foi o pioneiro do ambientalismo. Pretendeu recuperar a cobertura vegetal já devastada pela ignorância e trouxe essa ideia para o Brasil no século XIX.

Não é por acaso que se tornou conhecido como "O Patriarca da Independência". Foi quem convenceu Pedro I a romper os laços com a metrópole. Graças a ele somos independentes. Mas ainda existe muito a se descobrir sobre José Bonifácio. Continuarei atento!

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
Em 26 12 2022



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