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Acadêmico: José Renato Nalini Sem o autoconhecimento, não é possível relacionar-se de forma saudável com o outro. A alteridade pressupõe o domínio possível da própria identidade.
É hora de se desarmar Armas, instrumentos letais, sequer deveriam ser fabricados. A tecnologia tem condições de oferecer ferramentas que neutralizem os violentos, os insanos, aqueles que constituem perigo para os demais. Injustificável que no vigésimo primeiro século da era cristã, assim chamada porque nascida sob a égide do "Príncipe da Paz", ainda exista o fanatismo armamentista que chega a sugerir insanidade. Registrou-se intensificação e celeridade na obtenção de registros e na compra de munição. Parece que o Brasil está em guerra ou prestes a entrar em conflito armado. Preocupante, principalmente porque os ânimos exaltados constituem fenômeno poucas vezes detectado no país da gente de boa índole, resultado de três raças tristes. Mas é tempo de se lembrar dos "homens de boa vontade", aos quais os anjos anunciaram o nascimento do Salvador. Salvar de que? Das algemas do pecado, da maldade, da insensibilidade em relação aos infortúnios que acometem quase todos os humanos. É praticamente impossível afirmar-se inteiramente feliz, completamente bem nesta era de tantos desafios e turbulências. Por mais que para muitos tudo caminhe conforme o desejável, homem nenhum é uma ilha, que se possa isolar do restante do universo. E este é mais para miserável do que glorioso. Guerra convencional, com utilização de tanques, metralhadoras, bombas e destruição, quando o mais sensato seria o diálogo entre os pretensos líderes que decidiram pelo conflito armado. Milhões de refugiados que escapam ao morticínio provocado por semelhantes, mas também fogem da seca, da fome, do completo abandono e da perda integral do mínimo de dignidade existencial. Crescimento do uso de drogas ilícitas, abusos perpetrados contra crianças, o extermínio da biodiversidade, movimento cruel e deliberado, tudo em nome de lucro imediato. Quanta ignorância a rimar com ganância! A situação do planeta reclama protagonismo singular do remanescente lúcido, que não é a maior parcela da humanidade. Para fazer com que ela se recorde da finitude, sempre olvidada por aqueles que se acreditam imortais. A morte chega, inevitavelmente. A mais democrática das ocorrências e a mais misteriosa. Só temos contato com ela no encontro a que não podemos faltar. Por mais próxima ela chegue, sempre é a morte do outro. Não nossa. Por enquanto... Se todos meditassem a respeito da brevidade nesta experiência existencial, das poucas décadas que nos são oferecidas para atuar na transformação do mundo, a vida se descomplicaria de forma admirável. Pois não perderíamos tempo com o absurdo: com armas de fogo, com o preconceito, com a maledicência, com a violência, com as discussões estéreis. Pensaríamos em fruir dessa dádiva gratuita, o milagre da vida, de conhecer mais lugares, de conhecer mais pessoas e, no trajeto, conhecermo-nos melhor. Sem o autoconhecimento, não é possível relacionar-se de forma saudável com o outro. A alteridade pressupõe o domínio possível da própria identidade. O "conhece-te a ti mesmo" é um chamado permanente. E o ensinamento socrático do "só sei que nada sei" é um convite ao contínuo aprendizado. Dia em que nada se aprende, é dia perdido. E se existe algo que ninguém nos devolve é o tempo. Um dia desperdiçado é irrecuperável. Nunca mais se voltará a ele, assim como o dito heraclitiano: "ninguém se banha duas vezes nas águas do mesmo rio". Como a vida seria melhor se nos desarmássemos completamente. Considerássemos a palavra como a chave poderosa para o entendimento. E pudéssemos compreender o próximo, primeiro considerando-o, realmente, próximo. Aquele a quem se deveria amar como a si mesmo. Algo tão difícil, tão absurdo, que só pode ser verdadeiro. Dois dias nos separam do grande acontecimento que o mercado sequestrou, mas que guarda bem intocável a sua origem: o nascimento de uma criança pobre, em uma estrebaria, junto aos pais, mas longe do lar. E que, na sua pobreza e humildade, mudou a história. Trouxe a esperança de uma vida futura, sem misérias, sem sofrimentos, sem brigas, sem infelicidade. Algo que poderia começar agora, tivéssemos mais juízo. Desarmemo-nos, ao menos para a chegada do Menino. Atentemos para as suas lições. Meditemos sobre elas. Procuremos atender ao essencial nelas contido. Ainda há esperança de tempos melhores, se nos convertermos. Não é preciso encarar de imediato a religiosidade, penetrar os meandros da doutrina, entender os dogmas. Apenas acolher a mensagem angélica: "Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade". Publicado no Blog do Fausto Maqcedo/Estadão/Opinião Em 22 12 2022 voltar |
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