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NÚMEROS NÃO MENTEM
Acadêmico: José Renato Nalini
Recorde da série histórica, a proporção de crianças brasileiras sobrevivendo como extremamente pobres foi de 13,4, um salto de 50,1 ante 2020.

Números não mentem

Causa-me perplexidade o ufanismo de alguns amigos que enxergam apenas o lado econômico do Brasil de nossos dias. Afinal, o PIB será superior ao esperado; os empregos formais cresceram; a indústria reagiu; o agronegócio é um case de sucesso planetário.

Sim, e daí? O insuspeito IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística divulga os mais recentes dados da Síntese dos Indicadores Sociais - SIS, que escancaram a trágica realidade tupiniquim. No ano passado, havia o espantoso número de 61,525 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza. Isso significa que trinta por cento da população, ou - mais exatamente, 29,4 dela, conseguiu sobreviver com menos de R$ 16,20 por dia. Quando se sabe que o VR - Vale Refeição do funcionário público do Estado mais rico da Federação é de R$ 12,00, imagine-se como conseguir pagar cinco refeições por dia!

Não é só isso. A miséria atingiu 8,4 dos habitantes do Brasil, que alcançam 212,577 milhões. São 17,858 milhões de semelhantes sofrendo pobreza extrema e tentando subsistir com menos de R$ 5,60 por dia.

Orgulhar-se do que? Como explicar aos racionais e aos bem-intencionados que o "Celeiro do Mundo" conviva com 33 milhões de famintos e com 120 milhões de seres humanos que padecem de insegurança alimentar?

Entre 2020 e 2021, o crescimento brasileiro foi nessa área: foram 11,5 milhões de pessoas vivendo na indigência, um acréscimo de 22,7. Enquanto isso, o contingente de miseráveis ganhou adição de mais 5,8 milhões de criaturas nesse ano, o incrível salto de 48,2, ou quase metade do resultado anterior, que já não era alvissareiro.

Há métrica confiável para aferir o que isso significa. De acordo com os critérios dos ODS - Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que o Brasil prometeu cumprir até 2030, caracteriza-se pobreza extrema a renda familiar per capita disponível inferior a um dólar e noventa por dia. Isso representaria rendimento mensal de R$ 168 por pessoa, na conversão pelo método de Paridade de Poder de Compra - PPC. É um cálculo que leva em conta o valor necessário para adquirir a mesma quantidade de bens e serviços no mercado interno de cada país em comparação com o mercado nos Estados Unidos.

Quem vive abaixo da linha de pobreza é quem dispõe de renda de 5,50 dólares por dia, o que equivaleria a R$ 486,00 mensais por pessoa. A aferição desses dados teve início em 2012, com a Pnad Contínua, ou seja, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua.

Escancara-se também o preconceito estrutural: entre pretos e partos, 37,7 vivem em situação de pobreza, de acordo com os dados obtidos no ano passado. Isso representa mais do que o dobro dos brancos, que chegam a 18,6 na mesma situação. Quando se analisa a situação dos negros, 11 são os que sobrevivem na condição de pobreza extrema, enquanto os brancos são 5.

Quase cinquenta por cento de crianças menores de catorze anos estavam abaixo da linha de pobreza. Para ser exato, 46,2. Diminui o percentual de pessoas nessa faixa etária, mas o número dos que se encontram em situação de pobreza crescem a 20,314 milhões, ou quase 20 em relação a 2020. Calcule-se: entraram nessa vergonhosa categoria, cerca de 3,283 milhões de crianças pobres em apenas um ano.

Recorde da série histórica, a proporção de crianças brasileiras sobrevivendo como extremamente pobres foi de 13,4, um salto de 50,1 ante 2020. Pense-se no que significam 5,875 milhões de crianças na miséria.

Essa verdadeira hecatombe na desigualdade social não se corrigirá da noite para o dia. O Nordeste possui quase a metade dessa faixa de pobres e de extremamente pobres, ou miseráveis. Uma piora dessas nos indicadores imporá a adoção emergencial de políticas de restauração da dignidade. Só que os inimigos dos excluídos terão discurso pronto para atacar políticas de mitigação da miséria. Utilizar-se-ão dos chavões produzidos pelo fanatismo egoístico, atento exclusivamente às próprias necessidades e procurarão detonar políticas estatais direcionadas a equilibrar essa cruel equação.

Enquanto a procura por cargos e por aproximação com o novo governo comprova que a elite quer mesmo é estar de bem com quem manda, não se verifica preocupação maior com o enfrentamento de uma situação de gravidade hercúlea. A necessitar de investimento e de logística para brecar o decreto de condenação à morte que a política cega e personalista endereçou aos infelizes brasileiros pobres.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
Em 15 12 2022



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