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CONSEQUENCIALISMO NEGLIGENCIADO
Acadêmico: José Renato Nalini
O sistema justiça consegue praticar justiça no varejo e injustiça no atacado.

Consequencialismo negligenciado

O sistema justiça consegue praticar justiça no varejo e injustiça no atacado. É o que acontece quando se judicializa o total de iniciativas do município da capital com vistas a racionalizar a insensata conurbação. Todas as chamadas "Operações Urbanas" e os Projetos de Intervenção Urbana - PIUS, são obstaculizados por liminares obtidas por questionamentos de vária ordem.

Com isso, a cidade vai perdendo as condições de oferecer aos seus habitantes o nível desejável de qualidade de vida. Uma das mais cruéis consequências é a expulsão dos moradores do centro expandido para periferias a cada dia mais longínquas. O número de residentes nessa região que é a mais provida de excelente infraestrutura, além de dispor de transporte coletivo suficiente e eficaz, se reduz consideravelmente. E as tentativas de se adensar a área, resposta racional e observada em todas as grandes concentrações do planeta, são neutralizadas por uma excessiva e inconsequente judicialização.

Compreende-se que a nação tupiniquim, caracterizada por possuir mais faculdades de direito do que a soma de todas as outras existentes no restante do mundo seja um fértil e fecundo território judicializável. O Brasil converte em questão judicial todo e qualquer pretexto, até as insignificâncias. É muito fácil recorrer a um sistema justiça tentacular, que só tem crescido vegetativamente e que, de tanto apreço ao duplo grau de jurisdição, chegou a um surreal quádruplo grau. A decisão de primeira instância é mera minuta, pois o processo passará pelos Tribunais locais para chegar ao Superior Tribunal de Justiça e, com certeza, ao Supremo Tribunal Federal. Com a agravante de que dezenas de possibilidades de reapreciação do mesmo tema são ofertadas por um quadro recursal caótico.

Todavia, em relação aos responsáveis pela concretização do justo, existe um dever ético bem negligenciado. É o disposto no artigo 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional, editado pelo CNJ - Conselho nacional de Justiça em 2008 e cuja exortação se faz para observância estrita por todos os juízes brasileiros. Ele prevê que o magistrado precisa levar em conta as consequências concretas de sua decisão, antes de proferi-la.

Qual o custo, para o município de São Paulo - suportado por uma população em que os carentes se avolumam e o número dos incluídos se reduz - dessas interrupções num processo de readequação que deve ser oportuno e contínuo?

Como ressarcir àquele morador de uma das franjas da capital, que tem de tomar várias conduções para chegar ao local de trabalho, o tempo e a qualidade de vida que despende, quando poderia habitar uma região mais próxima?

Quem indenizará o desprovido de moradia - direito social incluído no rol daqueles usufruíveis por todos os brasileiros - por não poder habitar o centro expandido da megalópole, pois a Municipalidade é impedida de adensar os eixos preferenciais e aptos a abrigar milhares de novos moradores?

Tudo isso tem um custo real, que não é impossível de ser calculado, mas que divorcia o maior município brasileiro de sua vocação acolhedora, de centro irradiador das mais contemporâneas conquistas urbanas, para convertê-la em calvário dos mais pobres.

Conscientizar os magistrados, mas também os membros do Ministério Público, de que há um perverso exercício do direito de litigar, que aflige ainda mais os aflitos, em vez de mitigar sua evidente inferioridade ante os preferencialmente beneficiados, seria missão salvífica e restauradora do ideal de uma cidade que teria tudo para satisfazer as legítimas aspirações da maioria de seus sofridos habitantes.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
Em 08 12 2022



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