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SÃO PAULO TEM JEITO
Acadêmico: José Renato Nalini
A receita é singela e está disponível: adensar a região bem servida por sólida infraestrutura e por uma rede satisfatória de transporte coletivo.

São Paulo tem jeito

A pauliceia desvairada, a insensata conurbação que congrega mais de vinte milhões de almas, pode ser melhor do que tem sido. É possível torná-la um espaço de maior acolhimento, que garanta a fruição de direitos básicos a todos os seus habitantes. Hoje ela é uma cidade de contrastes: a mais escandalosa riqueza convive no mesmo espaço com a mais miserável das exclusões. Aumenta o número dos moradores de rua e residir em via pública vulnera a dignidade da pessoa humana. Os logradouros são espaços de uso comum do povo, não podem ser ocupados com exclusividade por semelhantes desprovidos de moradia.

Todavia, por que existem moradores de rua? Porque há um déficit habitacional crônico e este não é insolúvel.

O fenômeno paulistano de esvaziamento do centro e expulsão das massas para periferias cada vez mais longínquas não foi devidamente apreendido pelas várias administrações municipais. A receita é singela e está disponível: adensar a região bem servida por sólida infraestrutura e por uma rede satisfatória de transporte coletivo.

Por que não se investe efetivamente nisso?

As causas são múltiplas. A primeira delas é a tentativa inócua de impor um planejamento rígido e tardio, insuscetível de corrigir o crescimento desordenado de uma sociedade pulsante, que cresceu a galope e que não respeitou projetos urbanísticos de gabinete. A realidade é muito mais forte do que a prancheta. O crescimento avassalador da população tem de morar, trabalhar, se locomover. Planos sofisticados engessam a cidade, que é incontrolável e vai explodir e intensificar a cruel desigualdade social.

A busca da perfeição inibe a adoção de práticas factíveis e mais úteis. Todas as grandes cidades do mundo perceberam que é preciso otimizar o uso das áreas em que o poder público mais investiu e cuja vocação é um adensamento superior ao de propostas irreais. Aqui em São Paulo, impede-se que os grandes eixos absorvam crescente e perversa falta de moradias, o que vai resultar em prejuízo coletivo de custo incalculável.

Está provado que obrigar o trabalhador a percorrer grandes distâncias entre sua residência e o local de trabalho compromete a sadia qualidade de vida, primeiro por produzir emissão de gás carbônico que seria extremamente reduzido se o deslocamento fosse menor. Depois, submete o morador a dispêndio irracional de tempo, incrementando os fatores de perda de higidez física e mental necessárias ao bom rendimento na atividade desenvolvida.

Outra consequência prejudicial à higidez urbana é a judicialização de questões que o bom senso conseguiria solucionar sem o calvário do percurso que tem início na primeira instância e, não raro, se prolonga pelas incríveis quatro instâncias do burocratizado e irracional sistema justiça em que a razão se viu capturada neste Brasil bacharelesco. As discussões kafkianas sacrificam o interesse da maioria, postulado básico da democracia, para satisfazer particularismos que conseguem se fazer ouvidos, pois hábeis manipuladores das estratégias procedimentais presentes num sistema recursal caótico.

São Paulo abriga o maior contingente populacional da América do Sul e não pode ser freado na urgente necessidade de adaptação da vida urbana às vantagens advindas de uma tecnologia cada vez mais acessível. Cumpre atender à aspiração da maioria e não satisfazer interesses localizados de minorias que não querem ouvir o clamor da legião dos mais sacrificados. São estes os destinatários da prioridade na ação estatal que reverta a perigosa tendência de aprofundamento do fosso entre os habitantes de regiões privilegiadas e os condenados a longas viagens diárias para garantir sobrevivência muito aquém de seus direitos fundamentais.

Dizia-se há décadas que "São Paulo não pode parar!". Hoje a paralisia oficial a acometeu, o que a faz crescer na clandestinidade, tamanha a inadequação entre a cidade oficial e a cidade real.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
Em 10 12 2022



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