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O DOGMATISMO E SEUS EFEITOS COLATERAIS
Acadêmico: José Renato Nalini
Quem responderá pelos prejuízos suportados por uma legião difusa que deixa de usufruir de direitos fundamentais como o de viver numa cidade inteligente?

O dogmatismo e seus efeitos colaterais

O direito foi concebido como instrumento para solucionar problemas controvertidos. A inteligente concepção que tripartiu as funções estatais cometeu ao Judiciário a incumbência de fazer incidir a vontade concreta da lei sobre as dissenções entre as partes. Não se previra a intrincada sofisticação do sistema Justiça, que viria a se concretizar em absurdas quatro instâncias ou graus de jurisdição. Menos ainda, a explosão de litigiosidade, fruto da judicialização de todas as questões, até mesmo as insignificantes. Tudo agravado com o prolongamento indecoroso das ações judiciais, que ganham sobrevida mercê de um sistema recursal caótico.

O demandismo já chegou a ostentar indesejável recorde para o Brasil: contar com mais de cem milhões de processos em curso. Mas ainda não se calculou o que o país perde com essa exagerada busca por soluções judiciais. Casos emblemáticos são aqueles que paralisam a atuação do Poder Público municipal, quando atua nos exatos termos para os quais sua existência se preordenou: atender ao interesse coletivo.

A imensa conurbação paulistana precisa ajustar-se aos novos tempos e se adequar à racionalidade plenamente possível, tanto que viabilizada em todas as grandes cidades do planeta. Fenômenos como o esvaziamento do centro expandido e a fuga de moradores para periferias cada vez mais distantes, ocasionam males evidentes. Deslocamentos longos causam venenosa emissão de gases causadores do efeito estufa; produzem estresse e cansaço nos trabalhadores. Subtraem deles o tempo necessário ao convívio familiar, ao descanso e ao lazer.

Os urbanistas têm exata noção desses custos ambientais e sociais. Alertam o Poder Público e este procura corrigir incongruências do Plano Diretor. Só que a mera discussão de alteração pela Câmara Municipal é obstada por liminares que paralisam o processo normal de produção legislativa. É inconcebível que o Parlamento local se veja impedido de analisar questões cruciais para o desenvolvimento humanizado da megalópole.

As respostas da Prefeitura em relação à dinâmica da capital paulista precisam ser oportunas, para refrear a deterioração de áreas providas de infraestrutura e de transporte coletivo e consequente expulsão de vastas camadas populacionais para locais cada vez mais remotos.

Toda e qualquer intervenção urbana é judicialmente vedada e a correção de liminares leva um tempo que o dinamismo de uma conurbação viva e pulsante como São Paulo não podem suportar, sem agravamento de situações iníquas. A realidade não se condiciona à vontade da lei. Vive-se o fetiche da norma, porém o direito é também fato e valor. Quando a lei não sobrevém, os fatos a suplantam.

Quem responderá pelos prejuízos suportados por uma legião difusa que deixa de usufruir de direitos fundamentais como o de viver numa cidade inteligente, bem servida por sistema de mobilidade coletiva, morar próximo ao local de trabalho, deslocar-se o mínimo necessário e gozar de uma sadia qualidade existencial?

Inegável que a Justiça é essencial à saúde do Estado Democrático de direito. Mas o excessivo apego ao dogma da submissão dos conflitos à apreciação de um juiz, ao satisfazer o varejo da realização do justo, vulnera por atacado a própria ideia de justiça humana. O resultado é crua injustiça causada a uma coletividade indefinida de pessoas.

Esse efeito deletério precisa ser objeto de reflexão, análise e adoção de estratégias de contenção. Outros países conseguiram tornar suas conurbações lugares adensados, providos de todas as vantagens contemporâneas, sedutores polos de atração e destino de viagens turísticas propiciadoras de significativas receitas. Quem é que está impedindo que São Paulo siga idêntico destino?

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
Em 06 12 2022



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