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Acadêmico: José Renato Nalini Seria conveniente que jovens advogados, juízes, promotores e defensores lessem e refletissem sobre o livro "O preço da justiça", de Voltaire.
O preço da Justiça A insatisfação com o funcionamento da Justiça Criminal é sentimento muito antigo. Sem necessidade de retorno aos tempos bíblicos, pensemos que em 1777, a "Gazeta de Berna" publicava um anúncio insólito: "Um amigo da humanidade, comovido com os inconvenientes que nascem da imperfeição das leis criminais da maioria dos Estados da Europa, fez chegar à sociedade econômica desta cidade um prêmio de cinquenta luíses para a dissertação que a sociedade julgar melhor sobre um plano completo e detalhado de legislação sobre as matérias criminais". Ao tomar conhecimento desse prêmio, Voltaire também destinou idêntica quantia para estimular jovens que se interessassem por oferecer alternativas à Justiça Penal da época. Nunca escondeu sua frustração com o que ocorria, tanto que se propunha "acudir a humanidade e a razão, bem cruelmente tratadas" tanto na França como na Alemanha. Tão preocupado estava Voltaire - e já bastante enfermo - que chegou a confessar: "Meu medo é morrer, antes de ter sido útil". Não havia o que temer. Sua obra continua utilíssima, mais de três séculos depois. Sua perspicácia inteligente já detectava, àquela altura, que "não é de hoje que se diz que a justiça é frequentemente injusta. "Summus jus, summa injuria" é um dos provérbios mais antigos. Há várias maneiras pavorosas de ser injusto: por exemplo, supliciar alguém com base em indícios equívocos e a de tornar-se culpado de derramar sangue inocente por acreditar demais em vãs presunções". Isso continua a ocorrer em pleno século 21, embora se aceite o dogma da busca da "verdade real" no crime, enquanto no cível é suficiente tratar da "verdade dos autos". Os exemplos da França prodigalizavam conclusões muito ácidas quanto à profunda injustiça da justiça criminal: "outra maneira de ser injusto é condenar à pena máxima um homem que mereceria no máximo três meses de prisão: essa espécie de injustiça é a dos tiranos e sobretudo a dos fanáticos, que se tornam sempre tiranos desde que tenham o poder de fazer o mal". Não é possível deixar de levar em consideração uma crua afirmação de Voltaire no seu livro "O preço da Justiça". Sim, ele escreveu um livro, a partir da ciência daquele concurso. Não para concorrer, pois ele mesmo ofertou mais cinquenta luíses para uma segunda obra. Mas por acreditar na inteligência humana, capaz de oferecer alternativa à crueldade do sistema. Quando ele trata do roubo, disserta: "Sendo de ordinário a gatunice, o furto e o roubo crimes de pobres, e como as leis foram feitas pelos ricos, não vos parece que todos os governos, que estão nas mãos dos ricos, devem começar por tentar destruir a mendicidade, em vez de ficar à espreita da ocasião de entregá-la aos carrascos?". Por óbvio, os crimes econômicos de vulto, aqueles que envolvem imensas quantias, não são praticados por pobres. Ao contrário: há uma sofisticação na prática de delitos que empregam inteligência artificial e desdizem o asserto de Voltaire. Mas o raciocínio imperante, à luz de uma cultura eminentemente individualística, persiste na condenação de infratores jovens e, quase sempre, miseráveis. Sim, o crime clássico, no Brasil, é um fenômeno que acontece na faixa etária dos 15 aos 24 anos. Verdade que o menor, embora ao praticar um ato ontologicamente definido como crime, perpetra um "ato infracional". Mera questão terminológica. A verdade é que se combate o efeito, deixando incólume a causa: a falta de educação, a falta de esporte, a falta de lazer e de perspectiva de existência digna. A juventude brasileira não tem por si o olhar do Estado, nem da sociedade que se considera culta. Acredita-se, em nosso país, que a prisão seja a resposta para toda espécie de delinquência. Sabe-se que não é assim. O cárcere deveria ser reservado para poucos indivíduos: aqueles que não podem conviver em sociedade. Todos os demais, mereceriam outras sanções. Voltaire tinha razão: "Cumpre punir, mas não às cegas. Punir, mas utilmente. Se a justiça é pintada com uma venda nos olhos, é mister que a razão seja seu guia". Por isso é que ele já se posicionara contra a pena de morte: "condenai o criminoso a viver para ser útil; que ele trabalhe continuamente para seu país, porque ele prejudicou o seu país. É preciso reparar o prejuízo; a morte não repara nada". Quão atual o pensamento de Voltaire, explicitado um ano antes de falecer! Essa visão de pena criminal como castigo, retribuição ao mal perpetrado pelo infrator, tornou o Brasil o terceiro maior encarcerador do planeta. É um título do qual devemos nos orgulhar? Não seria conveniente que jovens advogados, juízes, promotores e defensores lessem e refletissem sobre o livro "O preço da justiça" de Voltaire? Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião Em 02 12 2022 voltar |
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