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Acadêmico: José Renato Nalini O amor à Pátria deve nos imbuir de humildade e de confiança no futuro do Brasil.
O que você entende por ‘Pátria’? Vivemos dias estranhos. Em nome de um “patriotismo”, pessoas se embandeiram, fazem vigílias diante de quartéis, interrompem o trânsito. Atrapalham a vida de todos. Qual seria a noção de “Pátria” desses nossos irmãos tão revoltados? Com certeza, não é aquele conceito de Ernest Renan, para quem a pátria é um complexo sociológico-emocional que tem a ver com os ossos dos antepassados, a esperança dos nascituros e a vontade de permanecer no mesmo solo, falando a mesma língua, professando a mesma crença e reverenciando os mesmos heróis e idêntica tradição. Deve-se a Rousseau haver teorizado o princípio da soberania popular. O Estado não é domínio pessoal do governante. Ao contrário: o Estado pertence ao povo, definido como conjunto de cidadãos, não de súditos ou vassalos. O princípio da soberania popular inspirou a Revolução Francesa, para a qual Robespierre escreveu: “Nos Estados aristocráticos a palavra pátria tem sentido unicamente para as famílias aristocráticas, isto é, para os que se apoderaram da soberania. Somente na democracia o Estado é realmente a pátria de todos os indivíduos que o compõem e pode contar com um número de defensores, preocupados pela sua causa, tão grande quanto o número de seus cidadãos”. Daí resulta que a fraternidade é o grande ideal coletivo da Revolução Francesa. Nela se alicerça a ideia de nação, reflexo ideológico de se pertencer a um Estado em que a classe dirigente quer impor a todos os cidadãos a unidade de língua, de cultura e de tradições e, por esta razão, busca transferir ao nível do Estado aqueles sentimentos de adesão que os homens sempre tiveram com relação à sua comunidade natural. Onde está a fraternidade de quem não aceita as regras democráticas e não quer respeitar o comando democrático impositivo, que oferta a saudável regra da transitoriedade dos cargos diretivos, pois assim o quis a maioria? Não é patriota uma rebeldia estéril, que apenas evidencia um inconformismo inócuo. O Brasil precisa do trabalho de todos. Tem urgência na resolução de questões gravíssimas, quais o aquecimento global, a educação pífia, a ausência de saneamento básico, a falta de moradia, a carência de empregos, acima de tudo o flagelo da fome. Esses os focos a serem enfrentados por todos, pois o embate contrário à conquista do mínimo existencial garantidor da dignidade de todos os brasileiros é uma luta sem tamanho. O verdadeiro patriota é aquele que vê a pátria como patrimônio espiritual, em parte visível, porque também o espírito humano se encarna em matéria. Aí estão, para testemunhá-lo, as obras de artes, os nossos belíssimos exemplares arquitetônicos, os templos, os monumentos, as esculturas, as pinturas, o mobiliário, os jardins, os parques, as reservas florestais que sobraram e conseguiram sobreviver à sanha insana do “estouro da boiada”. Estão aí nossas cidades, nossas vivendas e residências, a nossa agricultura – macro e micro, pois há muitas famílias cuidando de cultivar o alimento que consumimos e que não pode ser resumido a grãos como milho e soja. Mas a pátria é também uma parte invisível e importantíssima: os idiomas – inclusive os das nações indígenas, que quase conseguimos extinguir – a música, a literatura, a tradição, as façanhas históricas, as lendas, o folclore. A Pátria tem partes alternadamente visível e invisível, como os costumes, os hábitos, os gostos e as modas. Tudo isso, adicionado, faz de nossa pátria um tesouro de valor universal, cuja custódia corresponde a um povo. O que forma a pátria única é um nexo, uma comunidade espiritual, que se torna – simultaneamente – um valor na História do Mundo. A Pátria é espírito. Há de ser encarada em sua essência de perenidade. Questões transitórias não devem merecer manifestações que afetem a harmonia hoje tão necessária, para que nossas gravíssimas carências possam vir a ser atenuadas, quando não supridas. O amor à Pátria deve nos imbuir de humildade e de confiança no futuro do Brasil. Patriotismo deve refletir o desejo profundo de, embora presente a efêmera e frágil condição, que impõe limites a uma existência breve, fazer alguma coisa que vá para além de nossa finitude. Que garanta a consciência tranquila, na certeza de não ter sido inútil a nossa jornada sobre a Terra. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião Em 23 11 2022 voltar |
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