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É PERDOAR, OU PERDER!
Acadêmico: José Renato Nalini
O recado para os países ricos é muito objetivo e sintético: é perdoar, ou perder. Assim, direto e simples.

É perdoar, ou perder!

Sou cético em relação a encontros mundiais, ainda que inspirados pelas melhores intenções. Quem quer faz, quem não quer, discursa. O que tem resultado das reuniões com vistas a enfrentar o aquecimento global, se estamos cada vez mais próximos do ponto do não retorno?

Os avisos da natureza não têm sido suficientes para trazer juízo ao bicho-homem, que continua cruel, cego e insano. Pois destruir a Terra é abreviar a aventura humana sobre este Planeta.

Agora mesmo, no Egito, os países periféricos, de desenvolvimento retardado, propõem aos países ricos que perdoem suas dívidas em troca de ações em favor do clima. Afogadas em resultado de maus governos, estas nações não fazem o mínimo para mitigar os efeitos da crescente emissão de gases venenosos causadores do efeito-estufa.

Os países ricos afirmam faltar dinheiro para todas as ações necessárias. Dificilmente aceitarão um acordo destes que significa, na verdade, um perdão incondicionado ao mau pagador.

Só que o juízo e o bom senso deveriam prevalecer. De que adianta exigir pagamento de obrigações contraídas há muito e que se tornam impagáveis diante dos acréscimos “legais”? É a velha estória do endividamento. Sobre a dívida correm juros, juros compostos, juros sobre juros (anatocismo?), juros de mora e correção monetária, mais acréscimos pela cobrança, mais isso e mais aquilo. Os pobres sabem o que significa essa volúpia dos credores. Não é muito diferente para as nações.

Em relação a estas, o problema é mais grave: sucedem-se governos que só pensam em se locupletar. O termo final de sua responsabilidade é o período de sua gestão. Como vão deixar as finanças depois dela, ainda mais deteriorada pela matriz da pestilência chamada reeleição, não os preocupa. Isso não é com eles.

Invoca-se a necessidade de implementação dos inúmeros acordos firmados, que não geram consequência alguma, pois as trocas de transitórios comandos fazem com que os deveres sejam negligenciados. Assim, o artigo 6.8 do Acordo de Paris poderia ser o móvel para a troca de dívida dos pobres por ações visando à mitigação dos efeitos do aquecimento global, para a qual o reflorestamento contribui de maneira evidente e cientificamente comprovada.

Outra evidência também constatada é a de que os danos provocados por eventos climáticos extremos – chuvas intensas, inundações, secas inclementes, furacões, etc. – já custaram mais do que vinte por cento das economias dos países mais vulneráveis. Isso significa algo como 525 bilhões de dólares, ou inimagináveis 2,8 trilhões de reais.

Os países ricos são os maiores responsáveis pelo aquecimento global. Quantas vezes já não se ouviu que se a população mundial – hoje mais de oito bilhões de almas – resolver viver como o norte-americano da classe média, precisaremos de mais cinco planetas Terra para extrair recursos?

Desde a Eco-92, no Rio de Janeiro, propõe-se que os mais desenvolvidos financiem as ações climáticas nos espaços ocupados pelos mais pobres. Depois de trinta anos, o que se viu a esse respeito?

Já houve esboço de negociação assim entre Brasil e Estados Unidos. A poderosa hegemonia do norte permitiu a troca de vinte bilhões de dólares, algo como cento e seis bilhões de reais, de dívidas anteriores aos anos 1960, por investimentos ambientais em biomas brasileiros que não a Amazônia. Isso porque a Amazônia já dispunha do Fundo alimentado pela Noruega e Alemanha. Cujo montante foi recusado pelo governo que ora finda.

Essa tese precisa ser retomada e com vigor. Nem é necessário argumentar com nobres princípios de ética ambiental. Credor entende outra língua. Se não houver esse perdão negociado, talvez a dívida nunca seja paga. Mas isso não é o principal. Mais relevante é que a vida no planeta poderá cessar, caso não haja urgente, imediato mesmo, e sério comprometimento com providências exatamente contrárias às que hoje os governos tomam. Cessar o desmatamento, reflorestar, recuperar nascentes, cuidar dos resíduos sólidos, recolher a imundície que enfeia solo e água, promover a conversão do animal destruidor da natureza em guardião da floresta, da biodiversidade e de todas as demais espécies vivas.

O recado para os países ricos é muito objetivo e sintético: é perdoar, ou perder. Assim, direto e simples. É a linguagem que a economia entende, embora também exagere no “economês” que disfarça a insaciável fome de ouro que inebria os gananciosos e os faz esquecer de que também são mortais.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
Em 15 11 2022




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