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Acadêmico: José Renato Nalini Uma reflexão a ser feita no momento em que alguns procuram incitar as Forças Armadas a se sublevarem e a questionarem a vontade democrática.
Governo e Forças Armadas A leitura da correspondência entre Carlos Magalhães de Azeredo e Machado de Assis, trocada entre 2.6.1889 e 1.8.1908, é muito elucidativa a respeito da História do Brasil naquele período. Uma carta de Magalhães de Azeredo escrita em 20 de março de 1901 faz referência à relação entre Forças Armadas e Governo. Diz o diplomata, então a prestar serviços ao Brasil em Roma, junto ao Estado Pontifício: “Outro ponto importantíssimo é a preponderância decisiva da autoridade civil sobre o elemento militar; aí o progresso realizado é extraordinário, é assombroso, para quem considera a parte proeminente do exército e da marinha na fundação da República, e a influência quase incontrastável de ambos nos primeiros anos dela”. Não existia ainda a Aeronáutica, daí apenas as duas forças militares: exército e marinha. Houve um período preocupante, quando o marechal Floriano Peixoto veio a suceder ao Marechal Deodoro. Os brasileiros cultos e lúcidos não o tinham em boa conta, mas reconhecem que ele impôs a autoridade do Presidente a pretensa hegemonia das armas: “O marechal Floriano, que teria sido um grande estadista se tivesse mais cultura e mais lucidez de critério, um grande serviço prestou de certo à pátria: defendeu, vitoriosamente, a autoridade legítima, senão por amor desinteressado, ao menos por ser ela naquele momento a sua autoridade, e nivelou nas classes armadas as cabeças de papoulas que se erguiam com demasiada arrogância e demasiada ambição acima das outras. A famosa reforma dos Treze Generais foi um ato de vasto alcance, que mereceu ao marechal a admiração da Europa quase inteira. Depois, é verdade que os oficiaizinhos, os cadetezinhos, os alunos da escola militar se encheram de presunção à sombra dele, mas isso pouco valia desde que, para reinar só, ele se desembaraçara dos caudilhos possíveis, realizando um benefício cuja duração ele mesmo não previa. Só por esse benefício, muita coisa se lhe deve perdoar, e eu que nunca tive simpatias por ele, e até o combati quanto as minhas forças consentiam, reconheço-lhe aí um grande mérito – voluntário ou não, consciente ou não, pouco importa”. Há mais de cento e vinte e um anos depois, já era detectável o apuro com que as Forças Armadas preparavam o seu pessoal. Magalhães de Azeredo continua: “Mas além disso, eu acho que a boa inteligência atual entre o Governo e as classes armadas se deve atribuir ao bom senso dos próprios militares superiores, que educados desde rapazes numa escola de disciplina, não se podem acostumar à insubordinação e à rebeldia. Essa escola de disciplina, todo o Brasil a teve, cumpre reconhecê-lo. Meio século de paz, de ordem constitucional, de moralidade administrativa, sob a austera direção de um homem de bem, de um grande cidadão, educam definitivamente um povo”. O diplomata que nascera em 7.9.1872 no Rio de Janeiro e faleceu em Roma a 4.11.1963, enxergava, com clarividência, que “a anarquia não é planta que crie raízes no Brasil”. Isso porque pouco antes se conseguira frear uma insana aventura: “A facilidade com que o governo pode prender um almirante como Custódio de Mello porque se insubordinou, sem o mínimo protesto dos seus companheiros, é prova disso. E a ausência absoluta de candidaturas militares à presidência da República demonstra que a predominância do poder civil está reconhecida pela opinião como elemento necessário da prosperidade pública”. Menciona o mau exemplo da França, “onde o exército se tornou uma ameaça permanente, e onde, desde 1870, só um Presidente, Grévy, conseguiu concluir no poder o seu período presidencial, isso mesmo para ser obrigado a demitir-se no segundo setênio”. O otimismo do diplomata está no elogio que faz ao livro “simpático e excelente que Affonso Celso acaba de publicar, “Porque me ufano do meu país”. Para ele, “verdadeiramente uma boa obra, uma obra de virtude e de talento. Não se trata de uma declamação retórica, inspirada por um patriotismo de pacotilha; é um livro sensato, lúcido, documentado, que merece o aplauso dos melhores”. Boa reflexão a ser feita no momento em que alguns procuram incitar as Forças Armadas a se sublevarem, a questionarem a vontade democrática, apesar do empenho de fortíssimos setores e do uso escancarado da máquina estatal. Momento de se repensar o instituto da reeleição, a matriz da pestilência que produz tantos males, por enfatizar a ânsia de permanência no poder, geradora de cegueira nos ocupantes de cargos públicos. A alternância nas funções estatais é democrática, assim como as forças armadas devem atender às suas funções previstas na Constituição, o que é bastante e saudável para a permanência da higidez e do equilíbrio da República. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião Em 09 11 2022 voltar |
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