Compartilhe
Tamanho da fonte


INSACIÁVEL FOME DE ITÁLIA
Acadêmico: José Renato Nalini
A Itália é repositório de um jorro incessante e inesgotável de cultura e beleza.

Insaciável fome de Itália

Há uma nostalgia transcendental nos descendentes de italianos que deixaram sua Pátria entre o final do século XIX e o início do século XX, atraídos pela América.

Neto de imigrantes italianos, sempre senti essa vontade de voltar às origens e consegui rever o lugar de onde partiram os nonos. Tive a fortuna de ir várias vezes à Itália. Na primeira vez, junto com Francisco Vicente Rossi e suas irmãs, em 1976, sob carinhosa tutela de Dom Agnelo, que então era o brasileiro mais importante junto à Santa Sé.

Só que a Itália requer mais tempo. Ela é repositório de um jorro incessante e inesgotável de cultura e beleza. Alvo de uma afeição que Alceu Amoroso Lima reproduziu em “Amor a Roma”.

Felizes os diplomatas que tiveram a ventura de permanecer anos a fio naquela bota peninsular e se abeberaram dessa história inebriante. Leio a correspondência entre Machado de Assis e Carlos Magalhães de Azeredo, que ali viveu durante muito tempo e revisito lugares imperdíveis. Que precisariam ser vistos ao menos uma vez na vida, quando não, destino rotineiro de cada voo de travessia atlântica.

Azeredo conta a viagem de Graça Aranha, a quem ciceroneou em Roma: “em lugares tão diversos como o Coliseu enorme e o pequeno claustro de Santo Onofre onde Tarso morreu, como a colina do Capitólio diante da estátua de Marco Aurélio e a galeria Borghese diante da estátua de Paulina Bonaparte esculpida pelo adorável Canova, como a basílica máxima de São Pedro fulgurante de mármores, de bronzes, de afrescos, de mosaicos, e a linda, humilde igreja antiga de Santa Maria in Cosmodin, toda recolhida na pureza das suas linhas primitivas e na penumbra quase crepuscular das suas naves, lembrávamos continuamente o Amigo (Machado de Assis) distante a propósito de um aspecto artístico ou de uma reminiscência histórica que mais nos impressionavam; e a mesma reflexão nos acudia: que pena não ver ele estas coisas que tão plenamente o encantariam!”.

Machado de Assis nunca foi à Europa. Praticamente não saiu do Rio de Janeiro. Encantava-se com o relato de quem visitava a Itália e fazia as vezes de guia turístico. Assim, deliciou-se com a narrativa da viagem de Magalhães de Azeredo a Florença: “bem pode imaginar que encantos há em Florença pelo muito que terá lido dessa, por excelência, pátria dos grandes Italianos. Quando se vêm, por exemplo, na célebre Loggia dei Lanzi, estátuas como o Perseu de Benvenuto Cellini, a Sabina, raptada de João de Bolonha, a Judith de Donatello, num pórtico da praça, ao ar livre, ao alcance de todos os que passam, é que se compreende o influxo direto e profundo que a arte deve exercer sobre o espírito deste povo, ainda grande apesar das suas desgraças. As galerias são tão ricas, os quadros de mestres de tal modo se aglomeram às dezenas, que é preciso um esforço quase penoso para fixar a atenção em cada um – e, contudo, muitos escapam forçosamente. Que lhe direi dos trabalhos de Miguel Angelo – como quem diria novos trabalhos de Hércules – que encontramos ali? A angústia do Adonis moribundo, o desmaio sensual da Leda, a robustez altiva do David, o sono profundo e simbólico da noite, e a meditação austera do Lourenço de Medicis, chamado, por isso, “il Pensiero” – tudo isso é de um gigante, de uma alma forte, severa e triste, que o nosso século não o compreenderia”.

Tudo isso faz refletir o quão é necessária a educação de qualidade para os brasileiros. Teriam maior discernimento, compreenderiam melhor a civilização, se tivessem condições de conhecer a história de povos milenares, que produziram maravilhas como as “Madonas de Raphael, Perugino, André del Sarto, Correggio, retratos de Tintoretto, Rubens, Van Dyck, Sustermans, Dominiquino, Vênus e ninfas de Ticiano, Guido Reni, Guercino, painéis ingênuos e castos de Fra Angélico, Botticelli e outros primitivos, relevos de Cellini, Ghiberti, João de Bolonha, Donatelo, o palácio Velho e a sua praça, a Catedral e o Batistério, o Convento de São Marcos e a casa de Buonarrotti, que mundo de sensações representam essas e outras magnificências?”.

Razão assistia ao amigo de Machado: “O que se vê é tão belo, que excede quase as forças do espírito desprevenido. A primeira impressão é quase de tristeza, por mil motivos que se contrastam na alma. Nada, nenhuma palavra pode dar ideia disto; nem o pincel de um grande paisagista. Como a arte eterna consola das injustiças passageiras dos homens, passageiros também na terra!”.

Vontade de voltar à Itália. Sem pressa. Insaciavelmente faminto dela!

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
Em 06 11 2022



voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.