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SUPERSTIÇÕES E FANATISMO
Acadêmico: José Renato Nalini
Todo fanatismo é maléfico. Elimina a possibilidade de convívio polido.

Superstições e fanatismo

A humanidade é supersticiosa. À falta de conhecimento da realidade, à deficiência do estudo, sobretudo das ciências, procura encontrar respostas para aquilo que chama de mistério, mas que tem explicação racional para quem se propuser a pesquisar e ir a fundo.

Quando esteve no Brasil entre 1816 e 1823, o polivalente Jean-Baptiste Debret não só retratou distintos aspectos de nossa realidade, como escreveu interessantíssima “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil”. Ali, narrou episódios de nosso percurso enquanto Vice-Reinado e depois Império e contemplou curiosidades insólitas para um francês da elite.

Assim é que, ao tratar das “superstições conservadas no Brasil”, procura vincular a condição dos nacionais ao clima, algo muito comum à época. O francês se referia ao Brasil como “la bas”, universo muito distante da cultura gaulesa, que já se propusera a iluminar o mundo com a tríade liberdade, igualdade e fraternidade, eixo da Revolução de 1789.

Escreve ele: “Fácil se torna a um povo de temperamento sutil e ardente a um tempo encontrar alimentos para a sua superstição, principalmente vivendo num clima extremo e por isso mesmo debilitante. A atividade de sua imaginação, crescendo em sentido inverso de sua energia física, domina o resto de suas faculdades enervadas. É por esta razão que no Brasil se veem muitos homens, tornados preguiçosos em consequência da prostração de suas forças físicas, escolherem para base de sua crença o fanatismo, justificativa mais adequada ao estado de miséria em que vegetam por indolência. Outros, menos indolentes, porém mais pobres, e suscetíveis também do temor dos remorsos, tornaram-se fanaticamente devotos na esperança de esconder um crime com a ajuda da assistência divina ou, às vezes, alcançar uma injusta vingança”.

Veja-se como se atribuía aos trópicos essa condição que, muito depois, Monteiro Lobato iria detectar no seu “Jeca Tatu”, um caboclo cuja apatia resultava de abrigar vermes em suas entranhas.

Mas Debret generaliza o domínio da superstição, como se a ela se entregassem todos os brasileiros: “Em resumo, no Brasil vemos reproduzir-se, sob todas as suas formas, a fraqueza supersticiosa, filha do demônio e da esperança”. Bonita figura esta: a superstição fica nos extremos. Tanto leva à elevação d’alma, como aos recônditos do inferno. E prossegue: “Acrescente-se o fato de, durante três séculos, a população brasileira se ter formado sucessivamente da mistura dos europeus com a crédula raça indígena, civilizada tão somente à custa de mistificações misteriosas inventadas pelos missionários, e ninguém mais se espantará de encontrar ainda no espírito de grande número de habitantes puerilidades transmitidas por tradição até os nossos dias”.

Na verdade, foi em 1550 que os jesuítas chegaram ao Brasil, desembarcando em Pernambuco, então governado por Tomé de Souza. Encontraram também um protetor em Diogo Álvares Correa, o Caramuru, que então chefiava uma tribo indígena, casando-se com a filha do cacique.

Superstição e fanatismo, ambos são parceiros inseparáveis e resultam de uma única origem: a ignorância. É o que Debret afirma em seguida: “Mas, no Brasil, como entre todos os povos ignorantes, essas práticas supersticiosas foram impostas pelo homem esclarecido que, impondo-as, procurou preservar os habitantes de abusos prejudiciais”.

Desse ponto de partida inicial é que deriva também o sincretismo religioso ainda hoje recorrente. Mas não se invoque ignorância. Povos ditos mais desenvolvidos são também supersticiosos. Não é ao menos estranho que nos Estados Unidos não se mencione o 13, que deixa de figurar como um dos andares nos edifícios e que não aparece nos quadros de controle dos elevadores?

Temos observado, em tempos de polarização, um fanatismo irado, violento até, por parte de pessoas eruditas. Ou seja: vencer todas as etapas formais da educação convencional, obter títulos de pós-graduação e prosseguir em pós-doutorado não significa aquisição de equilíbrio, de ponderação, de bom senso – esta bússola natural que antigamente nascia em todos os seres que se auto-denominam racionais.

Todo fanatismo é maléfico. Elimina a possibilidade de convívio polido. Sufoca o ideal de fraternidade, que traria um pouco de paz e conforto para uma sociedade fragmentada, angustiada e desalentada.

Os artífices da paz – e todos podemos sê-lo – têm de começar por eliminar o fanatismo, o irmão-gêmeo da superstição, que ainda se infiltra nas mentes vulneráveis e faz tanto estrago na rota de presumível perfectibilidade do animal humano.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
Em 04 11 2022



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