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COMO JÁ FOMOS VISTOS
Acadêmico: José Renato Nalini
Talvez possa vir a ser útil a leitura de relatos de viajores que nos visitaram há tempos. Um desses, bastante citado pelos historiadores, é o “Diário de Maria Graham”

Como já fomos vistos

Nós, brasileiros, temos vaga ideia do que somos. Ficamos extasiados com o ufanismo – “minha terra tem palmeiras…” – e às vezes nos angustiamos com a síndrome do vira-lata. Repetimos os lugares-comuns tão recorrentes: somos uma nação muito jovem. 522 anos, diante de outras que têm milênios de gloriosa existência. Ou: dimensão continental, somos muitos “Brasis”, não é possível fazer um diagnóstico fidedigno e correto.

Talvez possa vir a ser útil a leitura de relatos de viajores que nos visitaram há tempos. Um desses, bastante citado pelos historiadores, é o “Diário de Maria Graham”, que anotou tudo o que lhe vinha a ideia durante suas visitas ao nosso país. Ela esteve aqui entre 1821 e 1823.

Inicia o seu livro com um “Esboço da História do Brasil”, onde compara as condições da América Portuguesa, em cotejo com a América Espanhola. Nesta, os conquistadores encontraram povo civilizado e humano, afeiçoado a muitas artes da vida social. Povo agricultor e conhecedor de ofícios, familiarizado com as coisas relativas ao altar e ao trono, empenhado em guerras de conquista e de glória.

Ao contrário, os selvagens do Brasil eram “caçadores e canibais. Nômades, combatiam forçados pela fome; poucas das tribos conheciam sequer o cultivo da mandioca, e menor número ainda usava qualquer espécie de vestuário, a não ser a tatuagem e as penas como ornamento”.

Disso resulta que se os espanhóis se assenhorearam de estruturas mais avançadas, os brasileiros tiveram de conquistar suas léguas às polegadas. Se os brasileiros não têm para exibir, narrativas heroicas tais como as crônicas dos Corteses, Pizarros e Almagros, mas o que têm para contar são “histórias simples, constituídas muitas vezes de cenas patéticas da vida humana, cheias de paciência, de iniciativa e de perseverança”, em compensação, “a maldade, que maculou até as melhores delas, é tanto mais odiosa quanto mais sórdida”.

A verdade é que “os selvagens foram, ou exterminados, ou subjugados totalmente. A caça aos escravos que fora sistemática no período de ocupação da terra e, especialmente, após a descoberta das minas – havia diminuído e enfraquecido de tal modo os pobres índios que foi preciso introduzir os africanos, mais vigorosos. São estes que atualmente habitam os campos do Brasil”.

Já em 1821, há mais de duzentos anos, a inglesa que voltaria ao Brasil para ser professora da futura Rainha de Portugal observava: “se aqui ou ali se encontra ainda uma aldeia indígena, sua população é miserável, num estado de civilização inferior ao dos negros, e com menos capacidade e indústria do que estes”.

Para essa autora, “o Brasil foi descoberto em 1499 por um dos companheiros de Colombo, Vicente Yañez Pinzón, natural de Palos, que, em companhia do irmão, se encontrava em busca de novas terras. Após tocar nas Ilhas de Cabo Verde, navegou para o sudoeste até atingir a costa do Brasil, perto do cabo de Santo Agostinho, costeando-a até o rio Maranhão e daí à foz do Orenoco”. Para ela, Pedro Álvares Cabral fora nomeado pelo Rei de Portugal comandante de uma grande esquadra, destinada a retomar a rota de Vasco da Gama no Oriente. “Ventos contrários, porém, conduziram a expedição de tal modo para oeste, que ela alcançou as costas do Brasil, ancorando em Porto Seguro na sexta-feira de Páscoa do ano de 1500”.

O Brasil não garantia bom suprimento de ouro, ao contrário das colônias espanholas. Ouro que os portugueses obtinham com risco menor na África e no Oriente. Por isso a terra deixou de interessar ao governo. “Os primeiros estabelecimentos foram efetivamente fundados por aventureiros particulares que, para garantir seus negócios, tinham interesse em manter uma espécie de agentes junto à população. Os primeiros aproveitados para essa função foram criminosos. Num país despovoado, em que nada se tivesse de fazer senão conquistar terras, essa espécie de colonos poderia ser de alguma vantagem. Mas numa terra onde havia muitos selvagens, os resultados são desastrosos, uma vez que, ou eles se degradam ao nível dos próprios nativos, quando em boas relações com eles, ou, em caso contrário, são capazes de praticar contra os mesmos crueldades e injustiças tais que lhes provocam o ódio, tornando difícil a colonização. E, ainda quando lhes ensinam alguma coisa, só divulgam o que há de pior na vida das nações civilizadas”.

Esse o ponto de vista de uma inglesa que conheceu de perto a Corte brasileira e que, antes de publicar o seu “Diário de uma viagem ao Brasil”, eliminou inúmeros trechos nos quais assinalava a sua estranheza nesta terra tão exótica quanto instigante.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 25 10 2022



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