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Acadêmico: José Renato Nalini A cegueira dos ambiciosos não quer enxergar a verdade. Uma lástima, porque a humanidade pagará por essa dolosa omissão.
Acelerado retrocesso ecológico Pobre natureza! O ambiente não tem vez na República tupiniquim, um dia orgulhosa por haver produzido a mais bela norma fundante do século XX, o artigo 225 da Constituição Cidadã. O desastre generalizado mostra que o estouro da boiada em fúria produziu resultados. Além do convite para que não sobre uma árvore em qualquer bioma, existe o boicote interno, a partir de funcionários pagos – que ironia! – para defender a ecologia. É o que apura um parecer da Procuradoria Federal junto ao Ibama, a noticiar que a autoridade responsável pelo julgamento de recursos vem declarando a prescrição de multas aplicadas sobre infratores ambientais. Uma instrução normativa do atual presidente do IBAMA entende que despachos não interrompem os prazos prescricionais. É exatamente o contrário do que o bom senso determina e consta de uma orientação normativa de 2009, atualizada em 2014. Consta que cerca de 45 mil processos estão na mira da prescrição. Eram processos anteriores a 2019, quando se inaugurou a tática da “conciliação ambiental”. Fácil: dizer à árvore que ela foi eliminada, mas que o seu algoz está perdoado. São aqueles argumentos precários e toscos: a soberania nacional, que permite ao Brasil acabar com a sua cobertura vegetal, já que outros países antigamente o fizeram. Visão rudimentar e ignorante, que não enxerga o que o Brasil poderia ganhar se mantivesse a floresta em pé. Sem prejuízo para o agronegócio, pois bastaria recuperar áreas ociosas. Aquelas mesmas que, um dia desmatadas, serviram para o plantio da soja, depois para pasto e, em seguida, foram abandonadas. Condenada à desertificação. O valor nominal dessas sanções pecuniárias – que são meramente simbólicas, pois ninguém consegue calcular a perda de biodiversidade, o custo para o ecossistema, a saúde que será afetada, a mudança climática geradora de cataclismos já experimentados em todo o país – é de quase dezenove bilhões de reais. Um país que deixa famintos trinta e três milhões de filhos, apenas um terço daqueles que sofrem de gravíssima insegurança alimentar, joga fora – anistiando infratores, ou seja, criminosos – a pífia quantia que deveriam recolher ao Erário. É uma lástima, que se acrescenta a tantas outras, verdadeira tragédia patrocinada por quem deveria atuar em sentido contrário. Bastaria a leitura do artigo 225 da Constituição da República e refletir sobre o compromisso das atuais gerações em relação àquelas que um dia nos sucederão. Se é que haverá continuidade da experiência humana sobre um planeta que parece contaminado pelo vírus perigosíssimo, funesto mesmo, para o qual ainda não há vacina: a insensibilidade. Novamente o Vaticano se manifesta para alertar os homens de boa vontade a respeito da situação dramática a que a insanidade submeteu o planeta. Ao apresentar “A Carta”, novo filme sobre a crise climática produzido por Nicolas Brown, o Cardeal Michael Czerny comentou a oportunidade singular de fazer com que os humanos se compenetrem da loucura que estão cometendo. O filme se chama “Laudato Si”, ou “Louvado Seja”, o nome da Encíclica de 2015 do Papa Francisco – mártir moral, pois enfrenta a cólera de radicais que o criticam incessantemente – um libelo em defesa do meio ambiente. Seria bom que as crianças e os jovens, ao menos aqueles ainda não contaminados, assistissem o “Laudato Si”, que estará disponível no YouTube Originals. Para o Cardeal Czerny”, “acabou o tempo da especulação, do ceticismo e da negação, do populismo irresponsável. Inundações apocalípticas, megassecas, ondas de calor desastrosas e ciclones e furacões catastróficos tornaram-se o novo normal nos últimos anos; eles continuam hoje; amanhã serão piores”. O Papa Francisco, desde o início de seu pontificado, alinhou-se ao lado da ciência, fazendo jus ao nome que escolheu para comandar a Igreja Católica, tão plural, tão dividida, tão desatenta à multidão que a abandona para seguir caminhos criados por quem quer ganhar dinheiro ou brilhar na política. Ou ambas, pois caminham de mãos dadas. Tudo está à mostra. Ciência e Igreja Católica de mãos dadas, o que nem sempre ocorreu na História. Mas a cegueira dos ambiciosos não quer enxergar a verdade. Uma lástima, porque a humanidade pagará por essa dolosa omissão. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 21 10 2022 voltar |
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