Compartilhe
Tamanho da fonte


NÃO EXAGEREMOS: NADA EM EXCESSO
Acadêmico: José Renato Nalini
Todo exagero é perigoso e, em nossos tempos, torna-se caricato.

Não exageremos: nada em excesso

Cada vez me convenço mais de que os gregos tinham razão: nada em excesso. Todo exagero é perigoso e, em nossos tempos, torna-se caricato. Tendo, por isso, a concordar com Luc Ferry, a quem leio e admiro desde que tive contato com sua obra. O filósofo de França que se recolheu a uma ilha e, sem qualquer livro e sem acesso à internet escreveu “Aprender a viver: filosofia para os novos tempos”, continua ativo e produtivo.

Aprecio, em particular, a sua forma de encarar o amor. Diz que este sentimento desapareceu em diversas esferas da convivência. Quando ele era criança, à indagação da professora: “Quem daria a sua vida pela Pátria?”, todas as crianças responderiam afirmativamente. Hoje não. Pátria perdeu o significado, de tão mal utilizada a palavra, por quem abusa da emoção dos que querem ser enganados. Todavia, persiste o amor paterno/materno e o amor filial. Há pais que dariam a vida por seus filhos e, o que pareceria incrível mas não é, filhos que também entregariam a sua existência por seus pais.

Quando existe essa centelha de amor, pode-se concluir que o mundo não está perdido. Basta saber usar o amor e tentar fazer com que ele se dissemine. Não é fácil, mas também não é impossível.

O último livro de Luc Ferry se chama “As sete ecologias” e ainda não foi traduzido para o português. Bastante irreverente, ele ataca os veganos, os que chama de “fundamentalistas verdes”, a ideologia do decrescimento, os seguidores da ativista Greta Thunberg, que, ao contrário dele, tenho elogiado por sua postura a favor da natureza.

Talvez Luc Ferry não tenha atentado para o que está acontecendo no mundo todo. Não é só na Europa, que enfrentou verão terrível, com incêndios e mortes, mas é o planeta inteiro. Calotas polares derretendo rapidamente, ilhas desaparecendo porque o nível do mar não deixa de subir. Cataclismos insólitos oferecem secas letais ao lado de inundações cruéis, com perda de vida e drástica mudança da realidade em tantos lugares. É o aquecimento global que provoca alterações climáticas e põe em risco a existência de qualquer espécie de vida sobre o maltratado planeta.

Mas concordo com ele quanto aos excessos. Por isso procurar o meio-termo. A ponderação. Aquela posição de Aristóteles tão comentada e tão mal interpretada: “in medio virtus”. A virtude é um ponto de equilíbrio entre dois defeitos ou vícios. Nem pródigo, nem sovina. Nem puritano, nem devasso. Nem anoréxico, nem glutão. É procurar o equilíbrio entre posições antagônicas e quase sempre equivocadas.

Ele defende o ecomodernismo, espécie de ecologia liberal que não hostiliza o consumo, porém é adepta do crescimento econômico sem destruição do planeta. Investimento maciço em novas tecnologias. Por exemplo: utilizar defensivos naturais, desenvolvidos pela ciência, em vez de importar seiscentos venenos proibidos em sua origem, mas bem aceitos num Brasil ávido por resultados imediatos, enquanto se acaba com a fertilidade do solo, com a microvida tão essencial à agricultura. Já estamos a perder as abelhas, que polinizam a maior parte do cultivo alimentar brasileiro. Quanto tesouro da biodiversidade também não vai sendo dilapidado ante nossa cupidez e ignorância. Ou, para rimar, ganância mais ignorância.

Também não concordo com o exagero de Luc Ferry em relação aos animais. Ele condena a tendência moderna de se animalizar humanos e de se humanizar animais. Sua afirmação: “Eu vou esperar que os animais tenham bibliotecas e escolas para os considerar como irmãos” é exagerada e falaciosa. Ainda que metaforicamente, pode-se enxergar nos animais uma pedagogia. A pedagogia da gratidão, do reconhecimento, do perdão. Da alegria genuína, da fidelidade a quem o alimenta e até de quem, por vezes, o maltrata. Quem possui ou possuiu um animal percebe que essa existência, embora considerada irracional, é mais humana do que os humanos, na imensa maioria dos casos.

Animal não é maledicente, não é futriqueiro, não é hipócrita, não mente, não engana. Disso não se extrai que a vida animal irracional pode representar verdadeira escola e oferece, nos seus exemplos, aquilo que deveríamos procurar nas nossas bibliotecas, para edificar uma sociedade justa, fraterna e solidária?

No mais, concordo em quase tudo com Luc Ferry. Ele instiga a pensar. Até quando exagera, nos faz refletir. E o mundo precisa cada vez mais de reflexão, para não mergulhar no caos.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 19 10 2022



voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.