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Acadêmico: José Renato Nalini Só existe este planeta para as poucas décadas em que permanecem sobre a superfície terrestre.
Fugir é para quem pode Se a humanidade fosse de fato racional, tivesse discernimento mínimo, não teria deixado acontecer aquilo que a insensatez causou ao planeta. O desmatamento acelerado, a poluição atmosférica, do solo e da água, a excessiva produção de resíduos sólidos, dentre estes os radioativos, o crescimento da miséria e a desaparição da educação de qualidade são atestados evidentes da insanidade que acometeu a espécie. Caminha-se, inevitavelmente, para o suicídio. A inércia diante da crueldade com que se destrói a mata, a passividade ante a importação de mais de seiscentos herbicidas venenosos, a anistia aos dendroclastas e genocidas indígenas, se acrescentam à história da desfaçatez. Os bilhões de habitantes da Terra não têm alternativa. Só existe este planeta para as poucas décadas em que permanecem sobre a superfície terrestre. Já alguns seres, trilionários, podem optar por outro porvir. É o que se extrai do livro “Sobrevivência dos mais ricos: fantasias de fuga dos bilionários da tecnologia”, escrito por Douglas Rushkoff, professor de estudos midiáticos e de economia digital na City University of New York. Os muito, mas muito ricos, querem saber o que fazer para fugir do cataclismo. Fala-se em cidades no alto-mar, experiência já levada a efeito por Peter Thiel, um dos fundadores do PauPal e também a viagem de ElonMusk e Jeff Bezos a Marte. Eles se enquadram numa categoria exclusivíssima: são “preppers”, algo como “sobrevivencialistas”. São aqueles que pretendem fugir da catástrofe anunciada e resultante de sua própria atitude. A busca de dinheiro fez esquecer qualquer propósito altruístico. É o ápice do capitalismo especulativo. É dinheiro fazendo mais dinheiro. Simplesmente. Seria uma espécie de novo colonialismo: fazer por fazer. Obter o máximo de capital investido. Em seguida, ir embora. Em lugar da chamada “destruição criativa”, é a “destruição destrutiva”. Salve-se quem puder. Para Douglas Rushkoff, “a inovação tecnológica passou a ser entendida menos como uma forma de criar produtos e experiências melhores e mais interessantes para as pessoas do que como outro meio de aumentar a dominação, a extração e o crescimento”. É uma visão melancólica do significado das redes sociais tão populares e disseminadas como Google e Meta. Já não são empresas que oferecem soluções práticas, respostas para problemas singelos e aparentemente insolúveis, mas se pervertem. O intuito delas não é fornecer informações confiáveis, permitir o reencontro de amigos de infância, a visita a museus e bibliotecas do mundo inteiro. Não: são fábricas de obter lucro mediante venda dos dados fornecidos pelos próprios usuários. Prepara-se até mesmo o abandono do mundo real, que se tornará obsoleto com o advento do metaverso e seus avatares. Para o autor do livro “Sobrevivência dos mais ricos: fantasias de fuga dos bilionários da tecnologia” (Survival of the Richest: Escape Fantasies of the Tech Billionaires, no original, publicado por W.W.Norton & Company), “não somos produtos dessas plataformas, mas sim força de trabalho. Lemos, curtimos, postamos e retuitamos obedientemente, ficamos furiosos, escandalizados e indignados; e continuamos reclamando, atacando ou cancelando. Isso é trabalho. Os beneficiários são os acionistas”. O que fazer para obviar esse processo? O autor sustenta o decrescimento, em inglês, “degrowth”. Faz sentido lembrar que a Terra está com os seus recursos naturais exauridos. Para manter o padrão de consumo dos norte-americanos, haveria necessidade de mais cinco Planetas Terra. E eles não estão disponíveis. Os que percebem isso – e são pouquíssimos – cuidam de programar suas viagens para o Cosmos. Haverá possibilidade de se construir uma aeronave provida de todas as condições para assegurar a sobrevivência dos seus ocupantes? Por tempo indefinido, como se eles – ao deixarem a Terra – também ganhassem imortalidade? Continuam as pesquisas tendentes a prolongar a vida, aos congelamentos dos corpos físicos por tempo necessário à descoberta de uma receita para vencer a morte. Enquanto isso, para os bilhões de terráqueos, restam os conselhos: gaste menos, desperdice nada, economize, plante árvores, adote regras de contenção, não mergulhe no consumismo irresponsável. É fácil pedir que se adote a ascese como filosofia de vida. Difícil é fazer com que ela presida o relacionamento entre pessoas egoístas, insensíveis e pouco interessadas na sorte dos que virão. Enquanto isso, fogem da Terra os que podem. São poucos e não há garantia de que sejam bem-sucedidos. Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão Em 16 10 2022 voltar |
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