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JUSTIÇA TRAVA SÃO PAULO
Acadêmico: José Renato Nalini
É preciso que os realmente interessados no aprimoramento do convívio observem que a judicialização é problema e não solução.

Justiça trava São Paulo

Durante reunião do G100, grupo capitaneado por Rodrigo Romero, questionei o Ministro Henrique Meirelles a respeito do funcionamento do sistema Justiça no Brasil.

O economista mais influente na Administração Pública brasileira foi pródigo em reconhecer as qualidades do Poder Judiciário tupiniquim. Comparado com o de nações em situação análoga à do Brasil, supera em qualidade e faz bonito. Aqui, o Judiciário frui de plena autonomia. Elabora os seus orçamentos, embora estes sejam manietados pelo governo. As decisões judiciais são cumpridas. Resmunga-se, obtempera-se, ameaça-se. Mas todas elas merecem cumprimento.

O ponto nevrálgico, para Henrique Meirelles, é a lentidão. Comentou processo que tramitou durante vinte e seis anos. Acredita ser possível a adoção plena das novas tecnologias e a criatividade para fazer com que o uso híbrido de várias delas combinadas façam da Justiça um serviço tão eficiente como os mais elogiados na iniciativa privada.

Mas também não pode negar que o excesso de beligerância conduza a uma situação desastrosa para a gestão do bem comum. Citou o caso da urbanização da Usina da Traição, ponto de honra na despoluição do rio Pinheiros, vitrine do governador João Doria. A mera licitação de uma consultoria que teria a incumbência de formatar o modelo de operação a ser realizada pelo Estado terminou na Justiça, pois o perdedor impugnou o resultado. E lá permanece até hoje.

O município da capital é outra vítima desse intervencionismo excessivo. Prevalece uma ideologia polarizada na paralisação de projetos que dariam outra fisionomia a São Paulo. Aparentemente legitimadas por interesses saudáveis, organizações não governamentais impugnam até a possibilidade de discussão de propostas urbanísticas arrojadas e necessárias.

As operações urbanas ficam sub judice durante um tempo precioso e irrecuperável. Existe um exagerado prestígio à normatividade que não pode travar a natural mutação de uma cidade que é verdadeira insensatez, pois se transforma a cada minuto. Impedir a calibragem do Plano Diretor, vedar a implementação de operações urbanísticas, os Planos de Intervenção Urbana, é condenar a pobreza – principalmente ela – a procurar refúgio habitacional cada vez mais longe do centro expandido. Exatamente a área mais bem provida de transporte coletivo e de infraestrutura compatível com o adensamento.

É preciso que os realmente interessados no aprimoramento do convívio observem que a judicialização é problema e não solução. Interesses de minorias inibem a ação do Poder Público em favor de maioria incalculável. Freia o progresso da cidade. Intensifica o fenômeno já constatado de esvaziamento das áreas destinadas à moradia.

Comprova-se, de forma inequívoca, a perda de moradores num grande quadrilátero situado exatamente sobre a área que tem condições de recebê-los. Conforme já se verificou no passado. Em poucos anos, uma população que era de oito milhões de almas passou para cerca de dois milhões de residentes. Onde foram os outros? Foram expulsos para periferias cada vez mais distantes.

Quem perde com isso?

Toda a população. Pois os que trabalham nessa região têm de fazer viagens diárias – ida e volta – cada vez mais longas e cansativas. Aumenta o fluxo de veículos e estes ainda são movidos por combustíveis fósseis, poluentes e venenosos. Causadores do efeito-estufa, a ocasionar o aquecimento global e a mudança climática. Mas diretamente geradores de todo tipo de enfermidade.

É preciso que os idealistas que profligam a preservação de alguns valores façam um exercício mental de cotejo entre estes e aqueles que vão sendo menosprezados e abandonados, mas que atingiriam uma legião. Os interessados difusos no trato urbanístico da capital são incomparavelmente mais numerosos do que os que são beneficiados por alguns nichos.

Não se consegue segurar uma ventania com as mãos. São Paulo, comparada com Nova Iorque, Paris, Roma ou Londres, pode receber mais moradores. Isso garantiria vida mais saudável para milhões, a verdadeira requalificação do centro e efetivo antídoto contra o abandono e deterioração de áreas centrais que já foram nobres há pouco.

A Justiça tem de ajudar o morador de São Paulo, não prejudicá-lo. Acho que ninguém há de discordar disso.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 14 10 2022



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